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São Paulo, sábado, 15 de fevereiro de 2003

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SHOW/CRÍTICA

Cantor e compositor inglês dosa espetáculo com canções novas e clássicos "art rock" de sua antiga banda

Ferry recria cabaré decadentista do Roxy Music

Flávio Florido/Folha Imagem
O cantor e compositor inglês Bryan Ferry, ex-líder da banda Roxy Music, em apresentação realizada no Credicard Hall anteontem


PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Bryan Ferry voltou a São Paulo para, mais uma vez, demonstrar: o tempo passa e, em sua passagem, deixa atropelados pelo caminho os homens.
No show que fez anteontem (e repete hoje), o ex-líder da mítica banda britânica de "art rock" Roxy Music recriou, com entusiasmo, a atmosfera decadentista que em 1972 forjou o imaginário de seu grupo de origem. De resto é o que ele vem fazendo a vida inteira, mesmo em carreira solo.
O Roxy Music causava furor ao explorar o mito das vamps, bombardeando sua música de imagens femininas kitsch-chiques (decadentistas, pois). E lá estavam anteontem as vamps no palco: duas vocalistas brancas, magras e andróginas à esquerda, duas divas black voluptuosas à direita.
Roxy Music redefinia o romantismo, perfurando-o de crueldade e cinismo. Pois ali estava, resplandecente, a novíssima "Cruel", praticamente um rock Roxy.
Roxy inventava danças imaginárias que fundiam rock'n'roll, brisa brasileira e crooner/dançarino em ternos de cortes finos e pura cafonália. E lá estava Ferry dançando desengonçado entre modelos-vocalistas metidas em esdrúxulas fantasias de Carnaval, de cabaré, de pura decadência.
Os penachos vermelhos das moças entraram roubando a atenção justamente de duas das mais gloriosas canções do Roxy Music, "Love Is the Drug", de 75, e "Do the Strand", de 73.
"Limbo" (87) exalou essa mesma atmosfera, mas remetendo à fase em que Ferry perdeu o status de dândi de rock e arte e o trocou pela máscara "new romantic" de "Slave to Love" (85), qual um Roberto Carlos à moda inglesa.
Estrago feito em 85, ninguém entendeu que as máscaras do dândi e do "novo romântico" eram, para Ferry, a mesmíssima máscara. Até hoje ele devolve a incompreensão brincando com o fato incontornável de estar no limbo, no "Limbo". A platéia do Credicard (eco) Hall, forrada de cadeiras vazias, comprova.
Na sobra dos escombros Roxy que hoje ele encara sem receios (e com afiadíssima banda), vazou pelo show o Ferry romântico, rasgado, exímio intérprete já nem muito cruel nem tão cínico.
Dessa veia é todo o início do show, em que os instrumentistas vão entrando um a um enquanto o crooner de boate fétida canta, minimalista, Bob Dylan ("Don't Think Twice, It's Alright") e The Platters ("Smoke Gets in Your Eyes"). Adiante, o crooner de banda completa ataca, sob forte atmosfera de luxo e decadência, os romantismos espúrios de John Lennon ("Jealous Guy") e dele próprio ("Fool for Love").
Nota-se, então, que o decadentismo tratado com louvor e repulsa já acometeu por completo o autor, que o criador já é parte da criatura. Por isso fãs do Roxy Music, dos "new romantics" e do rock gótico dos anos 80 se uniram para simplificá-lo como canastrão abregalhado. Ele não é.


Bryan Ferry
    Onde: Credicard Hall (av. das Nações Unidas, 17.955, Santo Amaro, SP, tel. 0/ xx/11/ 6846-6000) Quando: hoje, às 22h Quanto: de R$ 50 a R$ 300 Patrocinadores: Peugeot, Kaiser e Unibanco AIG



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