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SHOW/CRÍTICA
Cantor e compositor inglês dosa espetáculo com canções novas e clássicos "art rock" de sua antiga banda
Ferry recria cabaré decadentista do Roxy Music
Flávio Florido/Folha Imagem
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O cantor e compositor inglês Bryan Ferry, ex-líder da banda Roxy Music, em apresentação realizada no Credicard Hall anteontem |
PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL
Bryan Ferry voltou a São
Paulo para, mais uma vez,
demonstrar: o tempo passa e, em
sua passagem, deixa atropelados
pelo caminho os homens.
No show que fez anteontem (e
repete hoje), o ex-líder da mítica
banda britânica de "art rock"
Roxy Music recriou, com entusiasmo, a atmosfera decadentista
que em 1972 forjou o imaginário
de seu grupo de origem. De resto é
o que ele vem fazendo a vida inteira, mesmo em carreira solo.
O Roxy Music causava furor ao
explorar o mito das vamps, bombardeando sua música de imagens femininas kitsch-chiques
(decadentistas, pois). E lá estavam
anteontem as vamps no palco:
duas vocalistas brancas, magras e
andróginas à esquerda, duas divas black voluptuosas à direita.
Roxy Music redefinia o romantismo, perfurando-o de crueldade
e cinismo. Pois ali estava, resplandecente, a novíssima "Cruel",
praticamente um rock Roxy.
Roxy inventava danças imaginárias que fundiam rock'n'roll,
brisa brasileira e crooner/dançarino em ternos de cortes finos e
pura cafonália. E lá estava Ferry
dançando desengonçado entre
modelos-vocalistas metidas em
esdrúxulas fantasias de Carnaval,
de cabaré, de pura decadência.
Os penachos vermelhos das
moças entraram roubando a
atenção justamente de duas das
mais gloriosas canções do Roxy
Music, "Love Is the Drug", de 75, e
"Do the Strand", de 73.
"Limbo" (87) exalou essa mesma atmosfera, mas remetendo à
fase em que Ferry perdeu o status
de dândi de rock e arte e o trocou
pela máscara "new romantic" de
"Slave to Love" (85), qual um Roberto Carlos à moda inglesa.
Estrago feito em 85, ninguém
entendeu que as máscaras do
dândi e do "novo romântico"
eram, para Ferry, a mesmíssima
máscara. Até hoje ele devolve a incompreensão brincando com o
fato incontornável de estar no
limbo, no "Limbo". A platéia do
Credicard (eco) Hall, forrada de
cadeiras vazias, comprova.
Na sobra dos escombros Roxy
que hoje ele encara sem receios (e
com afiadíssima banda), vazou
pelo show o Ferry romântico, rasgado, exímio intérprete já nem
muito cruel nem tão cínico.
Dessa veia é todo o início do
show, em que os instrumentistas
vão entrando um a um enquanto
o crooner de boate fétida canta,
minimalista, Bob Dylan ("Don't
Think Twice, It's Alright") e The
Platters ("Smoke Gets in Your
Eyes"). Adiante, o crooner de
banda completa ataca, sob forte
atmosfera de luxo e decadência,
os romantismos espúrios de John
Lennon ("Jealous Guy") e dele
próprio ("Fool for Love").
Nota-se, então, que o decadentismo tratado com louvor e repulsa já acometeu por completo o autor, que o criador já é parte da
criatura. Por isso fãs do Roxy Music, dos "new romantics" e do
rock gótico dos anos 80 se uniram
para simplificá-lo como canastrão abregalhado. Ele não é.
Bryan Ferry
Onde: Credicard Hall (av. das Nações
Unidas, 17.955, Santo Amaro, SP, tel. 0/
xx/11/ 6846-6000)
Quando: hoje, às 22h
Quanto: de R$ 50 a R$ 300
Patrocinadores: Peugeot, Kaiser e Unibanco AIG
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