São Paulo, terça-feira, 15 de maio de 2007

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Crítica/teatro

Montagem ingênua e mal dirigida torna Ibsen irritante

Inexperiência de Walter Lima Júnior deixa atores desamparados em "Hedda Gabler"

Diego Bresani/Divulgação
Cena de "Hedda Gabler", em cartaz no Sesc Vila Mariana; espetáculo tem ritmo diluído, trilha melodramática e detalhes inúteis


SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Ibsen não é um autor fácil de encenar, e "Hedda Gabler" talvez seja sua peça mais difícil. Uma mulher cortejada por todos se casa com o mais medíocre, mas mais apto a lhe dar uma vida confortável.
Voltando da lua-de-mel, ao perceber que seu ex-amante, muito mais brilhante intelectualmente que seu marido, está a ponto de ofuscá-lo, manipula sordidamente acasos e favores até aniquilá-lo -mesmo que isso a arraste também.
A maior parte das cenas de impacto acontece fora do palco e é relatada depois. Mais do que os fatos, a conseqüência deles na relação de poder entre cada personagem é que é importante, exigindo assim muita sensibilidade e inteligência de quem faz e assiste ao espetáculo.
Para sua quarta empreitada em teatro, o cineasta Walter Lima Júnior se cercou de profissionais experientes e de uma produção luxuosa. Não foi suficiente. Embora demonstre conhecer o essencial, com marcações funcionais e claras, sua inexperiência transparece na obviedade de seus efeitos.

Melodrama
Mesmo contando com a elegante inteligência de Luciano Chirolli, no papel do cínico Juiz Brack, e a energia apaixonada de Joelson Medeiros, como o trágico ex-amante Lovborg, não conseguiu obter da protagonista Virgínia Cavendish nada muito além da pose de Gabler. Diluindo o ritmo geral da peça com detalhes inúteis, como várias entradas da empregada para tirar flores de cena, rompe de quando em quando a monotonia que se instaura assim com bruscos gritos de melodrama, sem outra preparação a não ser a trilha, melodramática até a caricatura. Desamparados, os atores naufragam então no inverossímil.
Charles Fricks, embora simpático em seu patetismo, não vai além da mediocridade exigida pela personagem. Lorena da Silva está particularmente inconvincente em suas cenas de desespero, enquanto que Júlia Miranda e Ivone Hoffman, em papéis pequenos, estão apenas funcionais.
A falta de aprofundamento, de sutileza de leitura nas entrelinhas do texto -bem traduzido, aliás, por Rubem Fonseca, que sabe ser fluido sem ser vulgar-, se não ajuda o trabalho dos atores, tampouco contribui para o espetáculo. Isso se torna particularmente visível nos figurinos de Marcelo Pies. Óbvios, não raro de mau gosto, como o vestido vermelho imposto à Gabler, para ilustrar sua maldade talvez, parecem fantasias que congelam os personagens em caricaturas.
A luz de Wagner Pinto, abusando dos efeitos de globo, deixa os rostos no escuro, e o cenário de Hélio Eichbauer, procurando escapar do realismo, multiplica símbolos que não dialogam com a encenação, com algumas piadas incômodas, como a gigantesca foto de Ibsen, que ao lado do piano representa o falecido pai de Gabler.
Normalmente ingenuidades assim são cometidas nas escolas, já que é pela prática que se aprende a fazer teatro. Walter Lima Júnior teve meios de fazer sua aprendizagem direto no mercado. Que aprenda rápido: quem saiu desgastado desta vez foi Ibsen, com o risco de atrair sobre ele a irritação do público.

HEDDA GABLER
Quando:
sex. e sáb., às 21h; dom., às 18h; até 3/6
Onde: Sesc Vila Mariana (r. Pelotas, 141, tel. 5080-3000)
Quanto: R$ 20
Avaliação: regular


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