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ERUDITO/CRÍTICA
Orquestra Experimental de Repertório estréia montagem de "Romeu e Julieta", regida por Jamil Maluf
Amor e humor no limite de sua própria graça
Jefferson Coppola/Folha Imagem
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Ensaio da ópera "Romeu e Julieta", com direção cênica de José Possi Neto, que é apresentada hoje, às 20h, no Teatro Municipal |
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
"A luz inebriante do amor":
acreditar ou não numa
frase como essa, extraída de uma
das árias do quarto ato de "Romeu e Julieta", define hoje, não o
destino da arte de Charles Gounod (1818-93), mas talvez o de
quem ouve.
Encenada em tons caracteristicamente irônicos por José Possi
Neto e regida com característica
energia por Jamil Maluf, com um
elenco caracteristicamente espetacular no palco, a ópera teve sua
estréia domingo no Teatro Municipal, dividindo as paixões no
centro da cidade com as dezenas
de espetaculares romeus e julietas
que mandavam ver a duas quadras dali, na parada gay.
A questão, no fundo, não é acreditar na frase, mas na forma da
frase. O próprio compositor deixava isso claro nas suas "Reminiscências": "Que ninguém mais venha nos jogar na cara esses termos barulhentos e equivocados
-"naturalismo", "realismo" etc. A
Arte é Natureza, sim [...], mas
ponderada e julgada na corte da
razão". Traduzindo em música: a
simetria continua sendo a grande
arma da beleza. Por mais descabelado que seja o sentimento, nada altera o equilíbrio das formas.
Não é o mesmo equilíbrio que
rege essa produção da Orquestra
Experimental de Repertório? Seu
símbolo mais memorável é a
grande lua, um inconstante grande círculo iluminado que manda
no fundo do palco, como manda
no destino dos amantes. Também
a capelinha matrimonial acolhe
os adolescentes com equânimes
braços de arame, o que talvez sirva como metáfora da música.
Dessa perspectiva, o grande mérito de Possi Neto -auxiliado pelo
cenógrafo Jean-Pierre Tortil e pelo figurinista Fábio Namatame-
foi liberar o repertório de referências, combinando alegremente renascença e pós-moderno. Está tudo sob controle: dá para fugir do
controle.
O "Romeu e Julieta" original de
Shakespeare tem mesmo boa dose de comédia; fica a um passo de
"Sonho de uma Noite de Verão".
Outra virtude dessa montagem,
então, é não forçar a mão da tragédia, até o ponto em que as coisas realmente desandam. Se isso
tira alguma expressão do casal 20,
Rosana Lamosa e Fernando Portari, por outro lado garante o ritmo do espetáculo.
Outros solistas, como o barítono Paulo Szot (fazendo um Mercutio punk), o baixo Lício Bruno
(Capuleto, bebendo seu uisquinho de manhã enquanto fala ao
celular) e a mezzo Magda Painno
(a ama, em versão MTV), têm
bastante espaço para o humor.
Mesmo o Tybalt de Luciano Botelho (à frente da gangue dos Capuletos), o frei de José Galliza (de batina de couro) e o Stéphano de Liz
Nardoto (fazendo serenata com
guitarra, contra os arranha-céus
projetados em preto-e-branco)
têm sua dose de comédia, lucidamente misturada aos venenos trágicos. Idem, Coral Lírico, até no
glorioso lamento, com as luxuosas dissonâncias lutuosas.
Mesmo nessa tarde de estréia,
em que o controle falou mais alto
do que a liberdade e alguém se esqueceu de pôr filtro mágico na
água dos artistas, a montagem foi
um prazer de ver. Até um garoto
que rolava no chão do corredor
não tirava os olhos de Julieta morrendo e cantando. Pouco mais
tarde, a duas quadras dali, natureza e arte se confundiam num carnaval de inverno, e a lembrança
da ópera já começava a ganhar
contornos de beleza ponderada e
clássica.
Romeu e Julieta
Quando: hoje, qui., sáb. e dia 21, às 20h
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de
Azevedo, s/nš, centro, tel. 222-8698)
Quanto: de R$ 30 a R$ 100
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