São Paulo, domingo, 15 de setembro de 2002

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TEATRO/CRÍTICA

"Com a Pulga Atrás da Orelha" tem elenco estrelado; "Deu Maromba na Maroma" aposta em solo

A arte do ator cabe em todos os palcos

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Logo no começo de "Com a Pulga Atrás da Orelha", todos os atores, mascarados, vêm ao proscênio cantar uma velha canção francesa. Está avisado: não serão abordadas aqui sutilezas do comportamento humano nem denunciada a situação do país.
Mas a máscara nesse prólogo simbólico marca um endosso ao teatro popular, que faz o elenco de famosos e figurantes, em um mesmo prazer de criança, dar voltas arrojadas no vertiginoso carrossel de Georges Feydeau.
Em uma trama de quiproquós, um bom burguês tem sua fidelidade testada pela mulher em um bordel no qual, como em um universo paralelo, é confundido com um empregado, sósia seu; juntem-se a isso um fanho que recobra a fala por encanto, dois ou três maridos ciumentos, criados e prostitutas e um ritmo alucinante e se entende como Feydeau é precursor do teatro do absurdo, por intermédio dos irmãos Marx.
O cenário é um desafio de camas giratórias e passagens secretas entre vários ambientes, que Renato Scripilitti realiza com eficácia, sem disfarçar a requerida estética de trem fantasma.
Tendo enquanto alicerce a excelente tradução de Gianni Rato, que em 1960 no TBC trouxe a peça para o Brasil do Teatro de Revista, Gracindo Júnior incentivou os atores para que se jogassem no histriônico sem falsos pudores, mas também sem permitir que ninguém fizesse sombra ao outro, o que é bonito de ver, em um elenco tão estrelado.
O jogo é coletivo e seria deslocado ressaltar um ou outro ator: todos se divertem de peito aberto, e o resultado é irresistível.
Assim, as trincheiras do experimental e do comercial, do anonimato e da fama se desmancham quando os atores tomam conta do espetáculo, com respeito e amor pelo ofício. O que significa também que uma peça não depende tanto quanto se teme de um investimento grande em cenários, figurinos e altos salários, para exercer a importante função de ser popular.
A prova disso é "Deu Maromba na Maroma". Em uma minúscula sala, Karina Sbruzzy se desdobra em dezenas de papéis, contracenando consigo mesma a partir de um texto fraco, no qual, no entanto, o diretor Marcelo Lazzaratto soube lapidar um espetáculo despretensioso e divertido.
Apoiada pela música ao vivo -com destaque para Soraya Saba, de voz límpida e autora de um bom samba-, Sbruzzy mostra um apurado tempo de comédia, sendo, assim, digna da trupe dos veteranos de "Com a Pulga Atrás da Orelha".
Concebida de início para ser apresentada apenas em escolas, a montagem se tornou um grande êxito na sua cidade de origem, Taubaté, e espalhou sua fama por toda a região, lotando teatros. O fato de ela fazer figura aqui na capital de teatro alternativo ilustra bem o quanto se deve desconfiar de rótulos maniqueístas que opõem um arrojado e questionador teatro artesanal a um "teatrão" a serviço do sistema.
Com seu talento para o teatro popular, Sbruzzy talvez alcance um dia a fama da televisão e das grandes montagens. Se não, continuará em boa companhia junto aos profissionais da cena que, longe dos holofotes e dos grandes centros, mantém vivo o teatro no Brasil.



Com a Pulga Atrás da Orelha
    

De: Georges Feydeau
Direção: Paulo Gracindo Jr.
Com: Maitê Proença, Herson Capri, Edwin Luisi, Rogério Fróes e Françoise Forton
Onde: teatro Procópio Ferreira (r. Augusta, 2.823, Cerqueira César, tel. 3083-4475)
Quando: sex., às 21h30; sáb., às 19h e às 22h30; dom., às 18h; até 15/12
Quanto: de R$ 30 a R$ 50

Deu Maromba na Maroma
   

Texto: João d'Oliveira
Direção: Marcelo Lazzaratto
Com: Karina Sbruzzy
Onde: teatro Ruth Escobar (r. dos Ingleses, 209, Bela Vista, tel. 289-2358)
Quando: de qui. a sáb., às 21h30; dom., às 20h30
Quanto: R$ 15




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