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crítica
Anderszewski renova uma história do piano
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
O mundo num grão de
areia, o universo numa casca de noz, ou
seja qual for a imagem: é a experiência total da música, em
33 variações a partir de uma
valsa simples. Compostas
por Beethoven (1770-1827)
sobre um tema proposto pelo editor Diabelli, as "Variações op. 120" são, possivelmente, a maior de todas as
suas obras para piano. Receberam uma interpretação
corajosa e incomum de Piotr
Anderszewski, anteontem,
no Cultura Artística.
Quase ninguém toca as
"Variações Diabelli", muito
menos ao vivo. São 60 minutos de música, passando pelos humores mais diversos e
exigindo virtuosismos de toda ordem, além de uma capacidade suprema de concentração. O estilo tardio de
Beethoven tem ali sua manifestação consumada: uma arte em que tudo se cria e tudo
se transforma, com base nos
elementos mais simples.
O modo de Anderszewski
ter tocado a "Suíte Inglesa nš
6" de Bach (1685-1750), na
primeira parte do concerto,
já dava a medida do que vinha. Mal atacou o "Prelúdio"
e a platéia foi tragada para
dentro de outro tempo, uma
ordem musical serena, que
impunha silêncio e atenção.
Quase sem pedal, articulando tudo com cristalina clareza, o polonês fez um Bach sobriamente sensual, ou sensualmente austero, se vale o
paradoxo. Um Bach forte e
essencial, que só deixou perceber outras potências do
piano na giga, já anunciando
o Beethoven.
Nas entrelinhas, depois, ficava a homenagem de Beethoven a seu modelo, as
"Variações Goldberg" de
Bach. Tanto mais que Anderszewski manteve o estilo
ao mesmo tempo rigoroso e
desprendido, como seu paletó com camiseta, só que
no tamanho certo e nas co-
res ideais.
Exemplo de seqüência
controladamente variada: as
tonitroantes oitavas na mão
esquerda, na variação 7, em
contraste com os mistérios
chopinianos na 8, seguidos
de uma variação 9 cuja reprise elevava surpreendentemente a dinâmica, preparando os fogos de artifício lisztianos da 10, para encerrar
um primeiro bloco musical.
Nas últimas sonatas de
Beethoven, fica aparente seu
interesse por formas "abertas", livres da dialética de temas e tonalidades característica do modelo clássico. A variação é uma forma livre,
porque pode se multiplicar
ao infinito; e não é menos
que isso o que se quer.
Um infinito natural, com
direito até a "seção áurea",
que se encontra em tantas
formas da natureza (como
conchas e ondas) e que se repete aqui nas divisões da
grande forma. A famosa variação 20 define uma proporção -34:21/ 21:13- que
se espelha na quebra entre as
variações 28 e 29, dividindo
as últimas 13 (13:8/ 8:5). São
coisas que só a análise revela,
mas qualquer um sentiria,
atento às artes do pianista.
Assim como sentiria também as presenças de Schumann (na variação 30), ou
Handel (na grande fuga dupla da 32). Toda uma história
do piano se resume nessas
"Variações Diabelli". É uma
história infinita, que se repete e se renova nas mãos de
Piotr Anderszewski.
AVALIAÇÃO: ótimo
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