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CINEMA
CCBB exibe cinema engajado produzido pelo coletivo Dziga Vertov, no fervor dos acontecimentos políticos de 1968
Ciclo expõe fase revolucionária de Godard
ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE DOMINGO
A partir de 1967, o diretor Jean-Luc Godard (1930), principal nome da charmosa renovação da
Nouvelle Vague, começa a se enveredar mais fundo no cinema
político. O marxismo-leninismo
e, sobretudo, o maoísmo (turbinado pela Revolução Cultural chinesa, a partir de 66) estão se espalhando como febre nas universidades francesas e no meio intelectual. As rebeliões operárias e estudantis de maio de 68 selam a ruptura de Godard com o establishment cinematográfico e marcam
a sua opção por um cinema militante, que questiona a produção
de imagens no capitalismo e prega a revolução socialista.
Boa parte da produção de Godard desse período, feita em geral
com pouco dinheiro, muito radical na forma e no conteúdo, será
exibida a partir de hoje no Centro
Cultural Banco do Brasil (CCBB)
em São Paulo -e em seguida no
Rio e em Brasília. É uma oportunidade única de ver nove filmes
raramente exibidos e muito importantes tanto para entender o
cinema godardiano quanto para
refletir sobre as relações entre arte
e política. Para a mostra, virá ao
Brasil o diretor Jean-Pierre Gorin,
o principal parceiro de Godard na
construção do grupo Dziga Vertov. Ele fará uma palestra no
CCBB no dia 20, às 18h.
Arte e política
O grupo Dziga Vertov, criado
nos anos 68-69, era um coletivo de
criação cinematográfica formado
por militantes políticos, principalmente maoístas, que pregavam a ruptura com a noção burguesa de arte e de autor e um cinema engajado com as lutas sociais,
contra o capitalismo e o revisionismo da URSS. O nome vinha do
diretor soviético Dziga Vertov
(1896-1954), adotado como principal cineasta revolucionário. O
grupo durou até 1972.
Todos os filmes da mostra ainda
impressionam por sua inventividade, coerência e radicalidade.
Causam, ao mesmo tempo, muita
estranheza, de tal forma o seu fundamento político caiu em desuso
nesta época e seu experimentalismo formal deixou de ser praticado com tanta vontade e inteligência. Trinta anos depois, estes filmes restam como documentos de
uma época -o pós-68, entre a decepção e a radicalização- mas
também como uma das pesquisas
mais importantes já realizadas sobre as articulações entre linguagem e prática política.
Alguns são pesadamente discursivos, com uma voz off opressiva, muito secos na mise-en-scène e confiantes demais na montagem (do som e imagem) como exposição de conflitos e idéias. Outros concedem um pouco mais na
caracterização de personagens, na
elaboração de cenas e na construção imaginativa do conjunto, sem
abrir mão, porém, do materialismo dialético, da prática militante
e da crítica ao sistema da arte.
É o caso de "Vento do Leste"
(1970), interessante "western spaghetti", no qual Glauber Rocha
faz uma ponta. E também de
"Vladimir e Rosa" (1971), brilhante ensaio político-burlesco, com
Godard interpretando Lênin e
Gorin encarnando Rosa Luxemburgo.
"Tudo Vai Bem" (1972) é a
obra-prima do período. Foi a única "superprodução" do grupo,
contando inclusive com duas estrelas da época, Jane Fonda e Yves
Montand. Eles fazem um casal em
crise doméstica que, durante uma
greve num frigorífico, se torna refém dos operários. O filme é fascinante do início ao fim. O espectador perdoa até mesmo certo esquematismo do discurso quando
se depara com a invenção godardiana a pleno vapor.
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