São Paulo, terça-feira, 16 de agosto de 2005

Próximo Texto | Índice

CINEMA

CCBB exibe cinema engajado produzido pelo coletivo Dziga Vertov, no fervor dos acontecimentos políticos de 1968

Ciclo expõe fase revolucionária de Godard

ALCINO LEITE NETO
EDITOR DE DOMINGO

A partir de 1967, o diretor Jean-Luc Godard (1930), principal nome da charmosa renovação da Nouvelle Vague, começa a se enveredar mais fundo no cinema político. O marxismo-leninismo e, sobretudo, o maoísmo (turbinado pela Revolução Cultural chinesa, a partir de 66) estão se espalhando como febre nas universidades francesas e no meio intelectual. As rebeliões operárias e estudantis de maio de 68 selam a ruptura de Godard com o establishment cinematográfico e marcam a sua opção por um cinema militante, que questiona a produção de imagens no capitalismo e prega a revolução socialista.
Boa parte da produção de Godard desse período, feita em geral com pouco dinheiro, muito radical na forma e no conteúdo, será exibida a partir de hoje no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) em São Paulo -e em seguida no Rio e em Brasília. É uma oportunidade única de ver nove filmes raramente exibidos e muito importantes tanto para entender o cinema godardiano quanto para refletir sobre as relações entre arte e política. Para a mostra, virá ao Brasil o diretor Jean-Pierre Gorin, o principal parceiro de Godard na construção do grupo Dziga Vertov. Ele fará uma palestra no CCBB no dia 20, às 18h.

Arte e política
O grupo Dziga Vertov, criado nos anos 68-69, era um coletivo de criação cinematográfica formado por militantes políticos, principalmente maoístas, que pregavam a ruptura com a noção burguesa de arte e de autor e um cinema engajado com as lutas sociais, contra o capitalismo e o revisionismo da URSS. O nome vinha do diretor soviético Dziga Vertov (1896-1954), adotado como principal cineasta revolucionário. O grupo durou até 1972.
Todos os filmes da mostra ainda impressionam por sua inventividade, coerência e radicalidade. Causam, ao mesmo tempo, muita estranheza, de tal forma o seu fundamento político caiu em desuso nesta época e seu experimentalismo formal deixou de ser praticado com tanta vontade e inteligência. Trinta anos depois, estes filmes restam como documentos de uma época -o pós-68, entre a decepção e a radicalização- mas também como uma das pesquisas mais importantes já realizadas sobre as articulações entre linguagem e prática política.
Alguns são pesadamente discursivos, com uma voz off opressiva, muito secos na mise-en-scène e confiantes demais na montagem (do som e imagem) como exposição de conflitos e idéias. Outros concedem um pouco mais na caracterização de personagens, na elaboração de cenas e na construção imaginativa do conjunto, sem abrir mão, porém, do materialismo dialético, da prática militante e da crítica ao sistema da arte.
É o caso de "Vento do Leste" (1970), interessante "western spaghetti", no qual Glauber Rocha faz uma ponta. E também de "Vladimir e Rosa" (1971), brilhante ensaio político-burlesco, com Godard interpretando Lênin e Gorin encarnando Rosa Luxemburgo.
"Tudo Vai Bem" (1972) é a obra-prima do período. Foi a única "superprodução" do grupo, contando inclusive com duas estrelas da época, Jane Fonda e Yves Montand. Eles fazem um casal em crise doméstica que, durante uma greve num frigorífico, se torna refém dos operários. O filme é fascinante do início ao fim. O espectador perdoa até mesmo certo esquematismo do discurso quando se depara com a invenção godardiana a pleno vapor.


Próximo Texto: Mostra no CCSP embala produção recente do cinema argentino
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.