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TEATRO
Em "Transex", no Espaço dos Satyros, Rodolfo García Vázquez assume riscos com realismo rasteiro e humor infantil
Diretor explora kitsch para destacar solidão
DO CRÍTICO DA FOLHA
A praça Roosevelt é onde os
extremos se encontram, o
precário e o refinado, o deboche e
a delicadeza, travestis e intelectuais. Dea Loher, que se destaca
entre a última geração da dramaturgia alemã, fez da praça seu
ponto de referência para entender
o Brasil, no lisérgico "A Vida na
Praça Roosevelt", que passou como um relâmpago no fim do mês
passado pelo Sesc Anchieta.
Em um austero cubo branco,
com alta tecnologia e uma marcação milimétrica, um fabricante de
armas em crise se apaixona por
uma desempregada de bingo, um
policial procura seu filho traficante, um travesti declara seu amor
por um extraterrestre.
A paixão e a alta técnica dos atores do Thalia Theater, frutos de
uma Alemanha que preza e financia seus criadores, chega a dar
perplexidade no público paulista:
é mesmo da nossa praça Roosevelt velha de guerra que eles estão
falando? A que devemos toda essa
honra?
A perplexidade aumenta quando sabemos que esse realismo
fantástico de um país inviável,
que deve soar fabuloso nos palcos
da Europa, é moeda corrente da
praça. Bibi, a travesti amante intergalática não só existe mesmo
como está em cartaz na matriz, o
Espaço dos Satyros, contando sua
própria história no espetáculo
"Transex".
Em torno de Phedra de Córdoba, primeira-dama desse universo
de simulacros e paixões, a peça
mergulha sem medo no escracho
e no kistch para resgatar a dignidade e a solidão. O texto de Rodolfo García Vázquez, que também dirige a montagem, assume
todos os riscos, na ambigüidade
entre o paródico e o dramático,
numa narrativa linear que esbarra
no inverossímil e no arbitrário a
cada passo (sobretudo no desfecho imprevisto, uma espécie de
Deus ex machina ao contrário),
estruturando-se em uma estética
de chanchada.
Assim, em meio a um realismo
rasteiro, atores vêm até a beira da
cena e, após uma dublagem característica dos shows de travesti,
expõem sua alma. O efeito é vigoroso quando a atuação consegue
revelar a angústia e a solidão por
trás do simulacro, como em boas
cenas de Ivam Cabral e no personagem de Alberto Guzik, uma intelectual que se transforma em
homem por amor a Botticelli, um
desafio que é enfrentado com surpreendente delicadeza. É preciso
destacar também a atuação firme
de Laerte Késsimos, em um personagem mais convencional.
Mas a dor do precário é anestesiada por um humor quase infantil, entre o auto-indulgente e o autodepreciativo. Sem o distanciamento gringo, é como se houvesse
uma vergonha em ser desmascarado no patético: o grotesco ofusca o sublime e a angústia se dilui
em cacos e exibicionismos.
Sem o endosso de uma política
cultural que vá além da esmola esporádica, é como se o ator brasileiro tivesse de pedir desculpas
por não ser alemão.
(SERGIO SALVIA COELHO)
Transex
Texto e direção: Rodolfo García
Vázquez
Com: Ivam Cabral, Soraya Saide, Alberto
Guzik e outros
Onde: Espaço dos Satyros (pça. Franklin
Roosevelt, 214, República, tel. 3258-6345)
Quando: de qui. a sáb., às 21h30; e dom.,
às 20h30; até 19/12
Quanto: R$ 10
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