São Paulo, sábado, 17 de janeiro de 2004

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TEATRO/CRÍTICA

Atuações de Marcelo Escorel e Louise Cardoso são o ponto forte de peça com texto de Bosco Brasil

"O Acidente" busca dignidade dos deslocados

Lenise Pinheiro/Folha Imagem
Marcelo Escorel e Louise Cardoso em "O Acidente", peça de Bosco Brasil dirigida por Cibele Forjaz que mostra o encontro de dois funcionários de uma empresa


SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Pela primeira vez, Mário dá uma festa de aniversário. Impopular, ele está ciente de que ninguém da firma virá. A não ser, talvez, Mirian, que é tão esquisita quanto ele, e por quem ele é secretamente apaixonado há anos, a ponto de Mário se cercar de livros somente para impressioná-la.
A peça "O Acidente" mostra o encontro dos dois, em uma longa cena em forma de psicodrama. Como em "Novas Diretrizes em Tempos de Paz", o grande sucesso de Bosco Brasil, uma instigante situação inicial é muito bem embasada em detalhes do cotidiano, em um naturalismo que transborda no simbólico.
Aqui também, no entanto, esse tom strindberguiano acaba se dissolvendo em um certo artificialismo literário. Frases recorrentes, mesmo que não arbitrárias, chamam a atenção do espectador para a forma, e a peça perde em fluência.
Sendo esta uma das primeiras peças de Bosco, a expectativa é de que o autor, ganhando em maturidade, cercando-se menos por livros, esteja ganhando uma síntese que o torne habilitado a ser um dos grandes porta-vozes de sua geração.
A diretora Cibele Forjaz, porém, endossa esse texto de juventude com todas as suas minúcias, recolhendo apaixonadamente cada peça deste quebra-cabeça.
Na sua encenação, ultrapassa com ousadia o seu realismo inicial, e uma vidraça quebrada pedida pelo texto, por exemplo, se expande em paredes de papel que vão sendo rasgados na medida em que as personagens se libertam de seus casulos. Infelizmente, tolhido por uma deficiência de produção, o procedimento acaba soando ingênuo.

Atores generosos
A grande força de Forjaz está na direção de atores, um trabalho meticuloso, exigente, e que rende resultados extraordinários quando conta com uma atriz como Louise Cardoso.
Secundada com segurança pela empatia de Marcelo Escorel, Louise compõe o desconforto físico de Mirian com uma precisão de bailarina clássica, e vai do tom mais pueril ao mais amargo sem nunca perder o fio da meada.
Essa generosa entrega dos atores da peça, conquistada pela segurança da direção, é o que faz o espetáculo atingir plenamente seu principal objetivo: reabilita a dignidade dos esquecidos, os sem glamour, os que são mantidos à distância por não parecerem normais e para que, de perto, não nos espelhem.
De modo inesquecível, Louise Cardoso resgata o sentido da vida das Mirians que existem em toda repartição. Não há função mais nobre para o teatro.


O Acidente
   
Texto: Bosco Brasil
Direção: Cibele Forjaz
Com: Louise Cardoso e Marcelo Escorel
Onde: teatro Aliança Francesa (r. General Jardim, 182, tel. 3123-1753)
Quando: de qui. a sáb. (21h); dom. (18h)
Quanto: de R$ 25 a R$ 30



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