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TEATRO/CRÍTICA
Atuações de Marcelo Escorel e Louise Cardoso são o ponto forte de peça com texto de Bosco Brasil
"O Acidente" busca dignidade dos deslocados
Lenise Pinheiro/Folha Imagem
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Marcelo Escorel e Louise Cardoso em "O Acidente", peça de Bosco Brasil dirigida por Cibele Forjaz que mostra o encontro de dois funcionários de uma empresa |
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Pela primeira vez, Mário dá
uma festa de aniversário. Impopular, ele está ciente de que
ninguém da firma virá. A não ser,
talvez, Mirian, que é tão esquisita
quanto ele, e por quem ele é secretamente apaixonado há anos, a
ponto de Mário se cercar de livros
somente para impressioná-la.
A peça "O Acidente" mostra o
encontro dos dois, em uma longa
cena em forma de psicodrama.
Como em "Novas Diretrizes em
Tempos de Paz", o grande sucesso de Bosco Brasil, uma instigante
situação inicial é muito bem embasada em detalhes do cotidiano,
em um naturalismo que transborda no simbólico.
Aqui também, no entanto, esse
tom strindberguiano acaba se dissolvendo em um certo artificialismo literário. Frases recorrentes,
mesmo que não arbitrárias, chamam a atenção do espectador para a forma, e a peça perde em
fluência.
Sendo esta uma das primeiras
peças de Bosco, a expectativa é de
que o autor, ganhando em maturidade, cercando-se menos por livros, esteja ganhando uma síntese
que o torne habilitado a ser um
dos grandes porta-vozes de sua
geração.
A diretora Cibele Forjaz, porém,
endossa esse texto de juventude
com todas as suas minúcias, recolhendo apaixonadamente cada
peça deste quebra-cabeça.
Na sua encenação, ultrapassa
com ousadia o seu realismo inicial, e uma vidraça quebrada pedida pelo texto, por exemplo, se
expande em paredes de papel que
vão sendo rasgados na medida
em que as personagens se libertam de seus casulos. Infelizmente,
tolhido por uma deficiência de
produção, o procedimento acaba
soando ingênuo.
Atores generosos
A grande força de Forjaz está na
direção de atores, um trabalho
meticuloso, exigente, e que rende
resultados extraordinários quando conta com uma atriz como
Louise Cardoso.
Secundada com segurança pela
empatia de Marcelo Escorel,
Louise compõe o desconforto físico de Mirian com uma precisão
de bailarina clássica, e vai do tom
mais pueril ao mais amargo sem
nunca perder o fio da meada.
Essa generosa entrega dos atores da peça, conquistada pela segurança da direção, é o que faz o
espetáculo atingir plenamente
seu principal objetivo: reabilita a
dignidade dos esquecidos, os sem
glamour, os que são mantidos à
distância por não parecerem normais e para que, de perto, não nos
espelhem.
De modo inesquecível, Louise
Cardoso resgata o sentido da vida
das Mirians que existem em toda
repartição. Não há função mais
nobre para o teatro.
O Acidente
Texto: Bosco Brasil
Direção: Cibele Forjaz
Com: Louise Cardoso e Marcelo Escorel
Onde: teatro Aliança Francesa (r.
General Jardim, 182, tel. 3123-1753)
Quando: de qui. a sáb. (21h); dom. (18h)
Quanto: de R$ 25 a R$ 30
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