São Paulo, quarta-feira, 17 de abril de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"TEODORICO, O IMPERADOR DO SERTÃO"

Coutinho desvela o coronelismo

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Os ouvidos são de Eduardo Coutinho, o autor de "Cabra Marcado para Morrer", os olhos, de Dib Lutfi, o inigualável câmera cinemanovista, e a voz, de Teodorico Bezerra, um típico coronel nordestino.
A vez é do documentarismo brasileiro: se, nos anos 50/60, coube ao intelectual nacional-popular do cinema novo legar ao país uma primeira visão de sua realidade, nos 70 foi a documentaristas como Coutinho, João Batista de Andrade, Geraldo Sarno e Maurice Capovilla que coube o privilégio de mostrar aos brasileiros o seu espelho em rede nacional, num breve período em que nossa televisão deu-se ao luxo, em pleno regime militar, de ser verdadeiramente pedagógica.
"Teodorico, o Imperador do Sertão" (1978), um dos pequenos clássicos produzidos nesse período essencial para a constituição da memória audiovisual brasileira, começa e termina com o elogio tecido por seu personagem-título à simplicidade da filmagem.
A simplicidade de Coutinho cativando Teodorico e a sinceridade do personagem cativando o documentarista: autor dá um passo rumo ao personagem e personagem, um passo rumo ao autor.
Cada um pratica uma política que está no cerne da sociedade brasileira: a do personalismo. Mas se Coutinho, o autor, cede ao carisma de Teodorico, é por estar ciente de que filmar a auto-mise-en-scène de seu personagem é tudo o que lhe basta. Fazendo o jogo de Teodorico, Coutinho pôde driblar em um só tempo a censura da direita (dos "milicos") e a da esquerda (dos "patrulheiros"), deixando seu personagem revelar por conta própria as contradições de toda a sua classe, a velha oligarquia rural brasileira.
A evolução do filme se dá em torno da revelação de um ser político de índole autoritária e prosa cordial e de sua inusitada máquina de propaganda. Os desfiles, as palavras de ordem pintadas nos muros da propriedade e a voz de Teodorico ecoando, onipresente, nos alto-falantes espalhados por Tangara, dão conta da espécie de "fascismo cordial" exercido pelo simpático coronel que, como bom ditador, é do tipo bonachão e folclórico e se diz socialista.
Quanto mais Teodorico martela as palavras de ordem, as leis e os princípios morais que norteiam a administração de sua propriedade, mais evidencia as imoralidades que a sustentam: as maracutaias políticas, a prática descarada do "voto de cabresto". Seja voluntariamente, por ingenuidade ou desfaçatez, seja por atos falhos, o personagem se desnuda inteiramente, e esse processo é contíguo ao desvelamento das práticas políticas do coronelismo.
Seguindo a atuação de seu personagem, Coutinho evolui da política local à federal, da pequena história à grande. Como não encontrar a verdade histórica da política nacional, em seu ranço oligárquico, coronelista e personalista, na afirmação de Teodorico: "Na política, ficar contra o governo é errado. Ficar contra.... só se a pessoa não for compreensiva"?


Teodorico, o Imperador do Sertão     
Direção: Eduardo Coutinho
Quando: hoje, às 16h30, no CCBB (r. Álvares Penteado, 112, tel. 0/xx/11/ 3113-3651)
Quanto: entrada franca




Texto Anterior: Festival de documentários É Tudo Verdade - "O Evangelho...": Jece Valadão vive crônica de um cafajeste arrependido
Próximo Texto: Dança: Cisne Negro, 25, traz "Momentos Marcantes"
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.