|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"TEODORICO, O IMPERADOR DO SERTÃO"
Coutinho desvela o coronelismo
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Os ouvidos são de Eduardo
Coutinho, o autor de "Cabra
Marcado para Morrer", os olhos,
de Dib Lutfi, o inigualável câmera
cinemanovista, e a voz, de Teodorico Bezerra, um típico coronel
nordestino.
A vez é do documentarismo
brasileiro: se, nos anos 50/60, coube ao intelectual nacional-popular do cinema novo legar ao país
uma primeira visão de sua realidade, nos 70 foi a documentaristas como Coutinho, João Batista
de Andrade, Geraldo Sarno e
Maurice Capovilla que coube o
privilégio de mostrar aos brasileiros o seu espelho em rede nacional, num breve período em que
nossa televisão deu-se ao luxo, em
pleno regime militar, de ser verdadeiramente pedagógica.
"Teodorico, o Imperador do
Sertão" (1978), um dos pequenos
clássicos produzidos nesse período essencial para a constituição
da memória audiovisual brasileira, começa e termina com o elogio
tecido por seu personagem-título
à simplicidade da filmagem.
A simplicidade de Coutinho cativando Teodorico e a sinceridade
do personagem cativando o documentarista: autor dá um passo
rumo ao personagem e personagem, um passo rumo ao autor.
Cada um pratica uma política
que está no cerne da sociedade
brasileira: a do personalismo. Mas
se Coutinho, o autor, cede ao carisma de Teodorico, é por estar
ciente de que filmar a auto-mise-en-scène de seu personagem é tudo o que lhe basta. Fazendo o jogo
de Teodorico, Coutinho pôde driblar em um só tempo a censura da
direita (dos "milicos") e a da esquerda (dos "patrulheiros"), deixando seu personagem revelar
por conta própria as contradições
de toda a sua classe, a velha oligarquia rural brasileira.
A evolução do filme se dá em
torno da revelação de um ser político de índole autoritária e prosa
cordial e de sua inusitada máquina de propaganda. Os desfiles, as
palavras de ordem pintadas nos
muros da propriedade e a voz de
Teodorico ecoando, onipresente,
nos alto-falantes espalhados por
Tangara, dão conta da espécie de
"fascismo cordial" exercido pelo
simpático coronel que, como
bom ditador, é do tipo bonachão
e folclórico e se diz socialista.
Quanto mais Teodorico martela
as palavras de ordem, as leis e os
princípios morais que norteiam a
administração de sua propriedade, mais evidencia as imoralidades que a sustentam: as maracutaias políticas, a prática descarada
do "voto de cabresto". Seja voluntariamente, por ingenuidade ou
desfaçatez, seja por atos falhos, o
personagem se desnuda inteiramente, e esse processo é contíguo
ao desvelamento das práticas políticas do coronelismo.
Seguindo a atuação de seu personagem, Coutinho evolui da política local à federal, da pequena
história à grande. Como não encontrar a verdade histórica da política nacional, em seu ranço oligárquico, coronelista e personalista, na afirmação de Teodorico:
"Na política, ficar contra o governo é errado. Ficar contra.... só se a
pessoa não for compreensiva"?
Teodorico, o Imperador do
Sertão
Direção: Eduardo Coutinho
Quando: hoje, às 16h30, no CCBB (r.
Álvares Penteado, 112, tel. 0/xx/11/
3113-3651)
Quanto: entrada franca
Texto Anterior: Festival de documentários É Tudo Verdade - "O Evangelho...": Jece Valadão vive crônica de um cafajeste arrependido Próximo Texto: Dança: Cisne Negro, 25, traz "Momentos Marcantes" Índice
|