São Paulo, Sábado, 17 de Abril de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"HITCHCOCK, SELZNICK E O FIM DE HOLLYWOOD"
Aula da história do cinema americano

JOSÉ GERALDO COUTO
da Equipe de Articulistas

O que acontece quando um cineasta criador, que antes de começar a rodar já tem seu filme inteiro na cabeça, vai trabalhar com o mais megalômano e centralizador produtor de Hollywood?
Esse complexo embate entre o "cinema de autor" e o "cinema de produtor", propiciado em 1939 pela associação entre Alfred Hitchcock (1899-1980) e David O. Selznick (1902-65), é o tema do fascinante documentário "Hitchcock, Selznick e o Fim de Hollywood", de Michael Epstein, que antes fez "The Battle over Citizen Kane".
A estrutura do filme não difere muito dos documentários televisivos sobre personalidades do cinema: narração em "off" (por Gene Hackman) e uma alternância cadenciada de depoimentos, "home movies", imagens documentais e trechos dos filmes comentados.
O que faz de "Hitchcock, Selznick e o Fim de Hollywood" um filme obrigatório é, além da grande riqueza do material raro exibido, o caráter revelador do próprio encontro entre esses dois gigantes do cinema.
Se, em vez de Hitchcock e Selznick, os personagens escolhidos fossem, por exemplo, Erich von Stroheim e Irving Thalberg, a leitura do tema seria muito diferente -e certamente mais amarga.

Relação ambígua
Pois, se Stroheim chocou-se de frente com o sistema dos estúdios e foi destruído por ele, a relação de Hitchcock com a indústria foi sempre muito mais ambígua e, no fim das contas, mais frutífera.
Não por acaso, uma das personalidades que mais falam no documentário é o pesquisador Thomas Schatz, autor do livro "O Gênio do Sistema", que procura mostrar que os filmes da chamada "era dos estúdios" eram produtos industriais em que pouco pesava a personalidade artística do diretor.
Nesse contexto, Hitchcock é um caso raro de diretor que conquistou progressivamente sua autonomia, tornando-se, afinal, produtor de seus próprios filmes.

Concessões
Mas não foi sempre assim. E o documentário de Epstein mostra com riqueza de detalhes as concessões que Hitchcock teve de fazer a Selznick nos três filmes que realizaram juntos: "Rebecca" (1940), "Quando Fala o Coração" (1945) e "Agonia de Amor" (1947).
Afinal, em 1939, quando chegou à América, Hitchcock era apenas um diretor europeu de prestígio, enquanto Selznick era o homem que acabara de produzir o maior êxito do cinema mundial, "E o Vento Levou" -obra muito mais sua do que dos três realizadores que se sucederam na direção.

Choque
A história contada pelo documentário é também a do choque entre duas personalidades opostas: enquanto Selznick era perdulário, expansivo, sensual e viciado em jogo, Hitchcock vinha de uma rígida formação católica, era tímido e pouco menos que travado em matéria de sexo e dinheiro.
No documentário de Epstein, Selznick surge como o verdadeiro personagem trágico, que passou a vida inteira tentando em vão superar o sucesso obtido aos 37 anos de idade, com "E o Vento Levou".
Com imagens preciosas (como as de Hitchcock fazendo um delicioso teste de voz com a atriz de "Blackmail") e depoimentos de gente que conviveu com os dois personagens, o filme de Epstein vale por uma aula de história do cinema americano.


Avaliação:


Filme: Hitchcock, Selznick e o Fim de Hollywood
Direção: Michael Epstein Quando: hoje, às 23h Onde: Estação Vitrine



Texto Anterior: Construção de um mito?
Próximo Texto: Livro: Leminski tem homenagem hoje em SP
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.