São Paulo, quinta-feira, 17 de outubro de 2002

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TEATRO

Fenômeno de bilheteria, comédia "Cócegas" está bem aquém de "Sobre o Amor e a Amizade", de William Pereira

O caricato e o humor que expõe feridas

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"Cócegas" é um fenômeno de bilheteria, talvez exatamente em razão da falta de pretensão inicial do projeto, concebido para ser um show de humor, baseado na habilidade das atrizes em compôr caricaturas eficazes para quadros de televisão. Nenhum engodo aqui: as pessoas vão ao teatro em busca disso e não saem decepcionadas.
É só necessário que se faça um reparo, no momento em que já se começa a falar de "uma peça que vai fundo", que "incomoda" porque fala da solidão urbana. "Cócegas" faz sucesso justamente porque é rasa. Apresenta estereótipos da modelo burra, da adolescente sem vocabulário, da mulher menosprezada pelo marido, limitando-se a expô-las em seu ridículo.
Se fosse analisada enquanto peça de teatro, seria preciso falar dos cacoetes de interpretação e texto -sotaques, bordões e vulgaridades em geral- que fazem com que pouco se distinga uma personagem da outra. Seria preciso falar da precariedade do cenário e do total amadorismo quando o sonoplasta entra em cena para fazer figurações. O precário se torna valor quando há uma forte cumplicidade com a platéia.
Por outro lado, se o interesse for por uma comédia que exponha a solidão urbana, com risco e crueldade, o crítico recomenda "Sobre o Amor e a Amizade", um grande encontro entre Caio Fernando Abreu e Grace Gianoukas.
Não importa que só pôde estrear depois da morte de Abreu. Ganha a montagem com a evocação do autor enquanto um anjo de Wim Wenders, observando com suave ironia a amiga amargar sua vida. E ninguém melhor do que ela para encarnar tipos urbanos como a protagonista de "Creme de Alface", ao mesmo tempo odiosa e frágil, grotesca e sensual. Jairo Mattos a secunda com habilidade, desdobrando-se em até três personagens.
A grande identificação entre atores e personagens tem um efeito colateral, no entanto. Nos momentos de maior lirismo, é como se os atores chorassem suas próprias dores, abrindo mão do inteligente distanciamento do cômico para flertar com o melodrama.
Não se quer recomendar com isso que Gianoukas e Mattos deixem o drama de lado para se concentrar na comédia. O que marca a montagem é seu tom agridoce, pois o humor que expõe feridas é o que melhor cumpre seu papel.

Cócegas


 
Concepção e interpretação: Ingrid Guimarães e Heloíse Perissé
Direção: Sura Berditchevsky, Régis Faria e outros
Onde: Tom Brasil (r. das Olimpíadas, 66, tel. 3845-2326)
Quando: sex., às 22h; sáb., às 19h30 e às 22h30; e dom., às 19h; até 1º/12
Quanto: de R$ 30 a R$ 60

Sobre o Amor e a Amizade


   
Textos: Caio Fernando Abreu
Direção: William Pereira
Com: Grace Gianoukas e Jairo Mattos
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil -teatro (r. Álvares Penteado, 112, tel. 3113-3651)
Quando: qui./sáb., às 19h; até o dia 20
Quanto: R$ 15




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