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TEATRO
Fenômeno de bilheteria, comédia "Cócegas" está bem aquém de "Sobre o Amor e a Amizade", de William Pereira
O caricato e o humor que expõe feridas
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
"Cócegas" é um fenômeno
de bilheteria, talvez exatamente em razão da falta de pretensão inicial do projeto, concebido para ser um show de humor,
baseado na habilidade das atrizes
em compôr caricaturas eficazes
para quadros de televisão. Nenhum engodo aqui: as pessoas
vão ao teatro em busca disso e não
saem decepcionadas.
É só necessário que se faça um
reparo, no momento em que já se
começa a falar de "uma peça que
vai fundo", que "incomoda" porque fala da solidão urbana. "Cócegas" faz sucesso justamente porque é rasa. Apresenta estereótipos
da modelo burra, da adolescente
sem vocabulário, da mulher menosprezada pelo marido, limitando-se a expô-las em seu ridículo.
Se fosse analisada enquanto peça de teatro, seria preciso falar dos
cacoetes de interpretação e texto
-sotaques, bordões e vulgaridades em geral- que fazem com
que pouco se distinga uma personagem da outra. Seria preciso falar da precariedade do cenário e
do total amadorismo quando o
sonoplasta entra em cena para fazer figurações. O precário se torna
valor quando há uma forte cumplicidade com a platéia.
Por outro lado, se o interesse for
por uma comédia que exponha a
solidão urbana, com risco e crueldade, o crítico recomenda "Sobre
o Amor e a Amizade", um grande
encontro entre Caio Fernando
Abreu e Grace Gianoukas.
Não importa que só pôde estrear depois da morte de Abreu.
Ganha a montagem com a evocação do autor enquanto um anjo
de Wim Wenders, observando
com suave ironia a amiga amargar sua vida. E ninguém melhor
do que ela para encarnar tipos urbanos como a protagonista de
"Creme de Alface", ao mesmo
tempo odiosa e frágil, grotesca e
sensual. Jairo Mattos a secunda
com habilidade, desdobrando-se
em até três personagens.
A grande identificação entre
atores e personagens tem um efeito colateral, no entanto. Nos momentos de maior lirismo, é como
se os atores chorassem suas próprias dores, abrindo mão do inteligente distanciamento do cômico
para flertar com o melodrama.
Não se quer recomendar com
isso que Gianoukas e Mattos deixem o drama de lado para se concentrar na comédia. O que marca
a montagem é seu tom agridoce,
pois o humor que expõe feridas é
o que melhor cumpre seu papel.
Cócegas
Concepção e interpretação: Ingrid
Guimarães e Heloíse Perissé
Direção: Sura Berditchevsky, Régis Faria
e outros
Onde: Tom Brasil (r. das Olimpíadas, 66,
tel. 3845-2326)
Quando: sex., às 22h; sáb., às 19h30 e às
22h30; e dom., às 19h; até 1º/12
Quanto: de R$ 30 a R$ 60
Sobre o Amor e a Amizade
Textos: Caio Fernando Abreu
Direção: William Pereira
Com: Grace Gianoukas e Jairo Mattos
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil
-teatro (r. Álvares Penteado, 112, tel.
3113-3651)
Quando: qui./sáb., às 19h; até o dia 20
Quanto: R$ 15
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