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São Paulo, segunda-feira, 17 de novembro de 2003

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DANÇA

Cia. Maguy Marin apresenta uma arte para tempos sombrios

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

A Companhia Maguy Marin se apresentou no último fim de semana em São Paulo, com seu mais recente trabalho, "Les Applaudissements ne se Mangent Pas" ("Ninguém Come Aplausos", 2002). A peça é inspirada na América Latina e foi uma encomenda da Bienal de Lyon 2002. A seu modo característico -onde estética e política são uma coisa só-, Marin e oito bailarinos propõem uma investigação das estratégias de poder e das relações de força que governam nossa vida.
As conotações políticas de cada fato e a exploração de seus sentidos humanos são a própria razão da arte de Maguy Marin. Fundado em 1978, o grupo hoje faz parte de um dos centros nacionais coreográficos da França.
Foi com "May B." (1981), inspirada em peças de Samuel Beckett, que Marin ganhou renome mundial. A dança ali dialoga com a literatura, num plano que proíbe qualquer apropriação simples, ao traduzir seu mundo de palavras para o mundo dos gestos. De certa forma, o que já estava em "May B." -a violência subjacente dos movimentos espasmódicos- ganha novas conotações agora.
A música de Denis Mariotte pode se tornar estridente e lancinante, mas ao mesmo tempo se vale dos silêncios. As imagens são duras, os movimentos se repetem contundentemente -denúncias, torturas, demonstrações de força. Grupos vão se constituindo e depois avançam um sobre o outro. Os bailarinos entram e saem da cena através de faixas coloridas. O movimento dos corpos reconfigura o cenário, assim como a história. As figuras mais marcantes, não por acaso, são de oposição: ausência e presença, claro e escuro, ocultamento e desvelamento.
Uma tensão contínua, contraposta ao silêncio, sugere a resistência paradoxal dos gestos: eles encontram força justamente nessa circunstância tão opressiva. Que a força vire dança, então, é mais do que uma metáfora. É a realização expressiva e lúcida de uma arte para tempos sombrios.


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