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TEATRO
No espetáculo "Tartufo", atrizes desempenham bem o seu papel, mas elenco masculino insiste no baixo cômico
Montagem dilui Molière em leitura superficial
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Marco do classicismo francês, uma montagem de
"Tartufo" pode consagrar diretores. O falso devoto que se instala
na casa do burguês Orgonte para
lhe roubar mulher e fortuna é um
personagem tão forte que acabou
ganhando vida própria, se tornando um sinônimo de hipocrisia. Na estréia, Molière se arriscava ao máximo, em uma corte de
Louis 14 infiltrada por tartufos,
com um tartufo gordo e brutal,
vindo diretamente da commedia
dell'arte.
Louis Jouvet, no pós-guerra,
inovou ao criar um Tartufo magro e sedutor, próximo de Don
Juan, muito mais perigoso, portanto. Décadas depois, Jean-Pierre Vincent reatualizou a insolência de Molière ao fazer, em plena
União Soviética, referências abertas à KGB, polícia secreta do regime socialista que acolhia a montagem na expectativa de uma inócua peça francesa de rendas e ingenuidades.
Tonio Carvalho vinha de uma
bela montagem com Eduardo
Moscovis e Ana Lúcia Torre:
"Norma" fazia uma denúncia da
hipocrisia homofóbica com delicadeza e intensidade.
Ágil e sedutor, Moscovis teria o
tipo para o "Tartufo Magro", e a
inteligência de Torre a habilita à
função de Dorina, a criada que
desmascara o ridículo com seu
bom senso insolente.
Partindo da tradução castiça de
Guilherme Figueiredo, em alexandrinos, esta montagem de
Tartufo tinha excelentes pontos
de partida.
Infelizmente, acabou concedendo à leitura mais rasa. O desafio
do texto rimado pede uma desenvoltura e uma inteligência que
Ana Lúcia Torre possui de sobra,
mantendo uma alta eficácia para
sua Dorina, seguida de perto por
Risa Landau (sra. Pernela) e Vanessa Gerbelli (Elmira). Marcando seus "tipos" respectivos sem
cair na caricatura, com precisão e
com simplicidade, essas atrizes
acabam por permitir que Molière
fale com a platéia.
Os demais atores, no entanto,
cedem ao mais fácil. Sem a possibilidade de introduzir "cacos" em
um texto rimado, eles contribuem
com sons guturais e também com
trejeitos, espasmos, diluindo a inteligência de Molière em uma irritante disputa de foco. Roubam a
cena clássica para instaurar o baixo cômico, que é altamente eficiente, porém inócuo. A platéia
gargalha com o que Molière tem
de mais superficial.
E o ator Eduardo Moscovis, no
entanto, em alguns breves momentos de sinceridade, deixa entrever o enorme impacto que poderia ter um Tartufo mais interiorizado, se não se desautorizasse
sistematicamente em demonstrações óbvias de hipocrisia. E, contudo, o discurso final, elogiando a
justiça do Rei, acaba por captar
por um breve momento a inteligência do público, que entende
como Molière teve que conceder
no último momento, como uma
vitória da hipocrisia.
Mas é tarde demais. O mau gosto já se espalhou pelo espetáculo
como uma mancha de óleo, nos
figurinos chamativos, na trilha
sonora arbitrária (por que a referência nordestina sistemática a
cada entrada de Orgonte?).
Carvalho não se arriscou, desperdiçando assim a oportunidade
de se consagrar a partir de uma
montagem de "Tartufo". Ganha,
pelo menos, um sucesso de público. Mas é uma pena.
Tartufo
De: Molière
Direção: Tonio Carvalho
Com: Eduardo Moscovis, Ana Lúcia
Torre, Vanessa Gerbelli
Onde: teatro Cultura Artística - sala
Rubens Svernier (r. Nestor Pestana, 196,
tel. 3256-0223); sáb. às 21h; dom. às 18h
Quanto: R$ 40 e R$ 50
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