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São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 2003

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CINEMA

"Uma Receita para a Máfia", que tem o ator Danny Aiello no elenco, se passa em restaurante italiano de Nova York

Bons ingredientes tornam filme saboroso

NINA HORTA
COLUNISTA DA FOLHA

No fim do filme alguém diz: "A vingança é um prato melhor servido frio". Se "Hamlet" é uma tragédia de vingança, esta é uma leve comédia do mesmo gênero. Um bookmaker é assassinado por dois mafiosos caricatos. Seu sócio (Danny Aiello), também bookmaker, assiste a tudo, quieto. Ele é Louis, em vias de reformar-se e também dono do Gigino, restaurante italiano, em Tribeca, o grande sucesso do momento. Só dono.
Até pela expressão corporal, pode-se adivinhar que ele gosta mesmo é de comida da nonna ou da mamma. "Quero qualquer coisa que me alimente, tradicional, substanciosa." E o cozinheiro é o filho, o frágil Udo, de cabelinho moderno, espetado, adepto ferrenho da nouvelle cuisine italiana que está atraindo as massas.
Quer herdar o restaurante já... Trata a brigada com o chicote da língua ferina típica do chef estressado. Só admite três respostas de seus subordinados latinos: "Sim, chef", "não, chef" e "não sei, chef".
A cozinha é a principal protagonista, nervosa, ativa, tresloucada mesmo, vibrante, facas sem fio, facas com fio, o calor que esquenta frigideiras e almas, o purgatório das almas penadas, o buraco por onde se entra para o fogo eterno. Clara, iluminada, todos os detalhes aparentes.
O subchefe é bom, mas jogador compulsivo, protegido do dono, deve US$ 13 mil à dupla de mafiosos que está no restaurante à espera de pagamento. Enquanto cozinha, escuta os jogos no radinho de pilha e esbraveja e torce, desatinado.
A adrenalina da cozinha se espalha pela copa. A maîtresse é oriental, competente e dorme com o chef e o subchef. Garçons e garçonetes sobem e descem escadas sem parar, lutam por comandas, sentem que aquele dia é especial sem saber o porquê. A bruxa anda solta e murmuram sottovoce: "Champagne para a polícia e jantar para os bandidos!".
O bartender ganha a vida respondendo perguntas de algibeira por US$ 1 cada uma, enquanto sacode os coquetéis e serve a bebida.
O salão é formado pelas pessoas que se aglomeram à porta, apesar da necessidade de reservar com três meses de antecedência e dos clientes daquela noite. O ambiente é escuro e aconchegante, uma cantina bonita, que respira sucesso, boa comida, bom vinho e futilidade nova-iorquina.
Nas mesas: um detetive de polícia, convidado do patrão, com sua mulher; dois mafiosos que esperam o pagamento do subchef e querem partilhar dos lucros de Louis fazendo-lhe uma daquelas propostas: ou divide conosco ou morre; uma crítica gastronômica "disfarçada" com uma enorme peruca acompanhada de outra mulher que entra em êxtase com a comida do chef... e com o chef. A aflição de Udo, o cozinheiro para agradar a crítica emperucada é que nos mostra o preparo ansioso de uma lagosta de três andares e um macarrãozinho com trufas.
Mais um sestroso crítico de arte com seus discípulos e no bar um bonitão elegante de gravata listrada, gravata que trai seu emprego em Wall Street, e que observa tudo, divertido.
Quando as luzes se apagam e imediatamente são providenciadas velas, ele murmura: "Quando será que comer passou a ser uma produção da Broadway?". A certa altura é abordado por uma Julia Roberts mulata, interessante.
Estes são os protagonistas, e o próprio Louis está sentado a uma mesa, gerindo as tensões e intrigas com mão de ferro (mas que também sabe acarinhar), entrando em choque com a comida feita pelo filho, empaturrando-se com o prato que pediu ao subchef, uma linguiça com pimentão passada na frigideira. Ao seu lado, o advogado.
O enredo vai se enredando noite adentro, entre os convidados, os clientes, a cozinha, a copa. A comida parece excelente, o vinho também, a maîtresse arranja um tempinho para dormir novamente com o subchef, o subchef compulsivo aposta alto. Nada acontece até que...
Acho triste que todo filme de comida seja comentado como delicioso, um prato gostoso, mas resistir, quem há de? Este é feito com poucos ingredientes simples e bons, jogados na frigideira quente, salteados pelo diretor que é muito hábil, um pouquinho de pimenta e sal e nada mais. No final, é flambado espetacularmente, e o prato pronto é digerido com facilidade, sem bicarbonato ou sal de fruta. É um bom filme que diverte.


Uma Receita para a Máfia
Dinner Rush
   
Produção: EUA, 2000
Diretor: Bob Giraldi
Com: Danny Aiello, Edorado Ballerini, Vivian Wu, Mike McGlone
Onde: em cartaz no cines Frei Caneca Unibanco Arteplex, Cinearte e circuito



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