São Paulo, segunda-feira, 19 de fevereiro de 2007

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Crítica/cinema/"Uma Mulher sob Influência"

Cassavetes filma sua obsessão pelo amor

Divulgação
Gena Rowlands e Peter Falk em cena de "Uma Mulher sob Influência" (1974), filme de John Cassavetes em cartaz no Cinesesc


CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

"Eu tenho uma obsessão por um tema que resume tudo o que me interessa: amor -e a falta dele." Com essas palavras o diretor norte-americano John Cassavetes resume não apenas um tema constante de seus filmes mas, sobretudo, o modo como forjou uma idéia peculiar de cinema.
Sétimo longa de uma filmografia de 12 títulos, "Uma Mulher sob Influência" captura essa situação ao abordar Mabel, dona-de-casa cercada do afeto de marido e filhos e que, a partir de uma pequena falta, naufraga numa crise psíquica.
Os filmes de Cassavetes buscam não narrar uma história, mas captar emoções através de situações carregadas de poder afetivo. Em seu cinema, a história não antecede os personagens, mas é por eles secretada.
Daí decorre o mito, muitas vezes sustentado por seus intérpretes e outras tantas desmentido pelo diretor, de adotar o método da improvisação.
Ao contrário, o roteiro e os ensaios sempre preexistiam às filmagens. Mas a impressão de realismo, de veracidade (que, no cinema, costuma ser creditada à improvisação) deriva, aqui em particular, de um amor incondicional aos atores.
Intérprete experiente de teatro e de cinema, Cassavetes levou, ao passar para trás das câmeras, uma atenção especial à atuação. "O ator é a força criadora fundamental, porque, se a atuação é boa, o filme se torna bem-sucedido, e o trabalho da equipe é, em última instância, secundário." A liberdade formal que seus filmes transmitem tem a ver com essa escolha.
Em vez da beleza dos enquadramentos, nota-se um aparente desleixo. Pois o que interessa ao diretor é a tonalidade e a qualidade das emoções.
Para isso, ele se cercava de uma mesma família de intérpretes (um grupo de amigos e familiares, como a mulher e musa, a imensa Gena Rowlands, protagonista de "Uma Mulher sob Influência").
O trabalho nessa perspectiva da intimidade era fundamental para que o ator encontrasse o equilíbrio entre representar e apresentar. Nada mais distante do cinema do diretor do que a intenção de naturalismo, mola que quase sempre conduz o ator ao chamado "overacting" quando busca um ideal de naturalidade ou de veracidade para o personagem.
O termo realismo aplica-se mais coerentemente ao método de Cassavetes, que consiste em estimular os atores a viverem internamente as emoções até um ponto em que se alcança uma espécie de desvelamento.
Este, por sua vez, impregna a imagem na medida em que a câmera de Cassavetes nunca é predominante na cena. Ou se posiciona numa distância de conjunto, quase abolindo o espaço cênico, ou se encontra aproximada o suficiente dos rostos, em closes magníficos capazes de capturar a emoção brotando da pele (como no assombroso "Faces").
É esse o modo escolhido pelo diretor para se afastar do psicologismo e adentrar no território muito mais complexo dos afetos. Pois a psicologia pode ser conquistada pela palavra, enquanto no cinema, arte da imagem, o afeto resulta de uma combinação entre o ponto de vista da câmera e a expressividade dos corpos.
Nesse sentido, o excesso e a falta que conduzem a personagem de Mabel ao abismo em "Uma Mulher sob Influência" passam diante de nossos olhos como uma experiência que mais parece feitiçaria.

UMA MULHER SOB INFLUÊNCIA     
Direção:
John Cassavetes
Produção: EUA, 1974
Com: Peter Falk, Gena Rowlands
Quando: em cartaz no Cinesesc


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