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São Paulo, segunda-feira, 19 de maio de 2003

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"S1M0NE"

Sátira é fake como a protagonista

Divulgação
Al Pacino e Rachel Roberts em cena do longa-metragem "S1m0ne", que pretende satirizar o mundo de mentiras de Hollywood


TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

O personagem de Al Pacino, Viktor Taransky, é um cineasta com a imagem tão desgastada quanto a do ator que o interpreta. Outrora de carreira promissora, vencedor do Oscar de curtametragista, Taransky ganhou fama de excêntrico demiurgo, vendo-se marginalizado em Hollywood.
Para piorar, o mais acalentado projeto de Taransky está indo por água abaixo, minado pelos caprichos incessantes de uma estrela tirânica (Winona Ryder).
Mas, quando tudo parece perdido, surge Simone, a abreviatura de "simulation one" (simulação um), um programa de computador que um hacker misantropo e moribundo lega a Taransky. O programa permite a Taransky transformar-se no Pigmalião da nova estrela, uma musa digital.
O fato é que ninguém consegue perceber que Simone é uma criação digital. A premissa se revela tão inverossímil e improvável na prática -uma vez que a atriz digital do filme está longe de nos convencer de sua humanidade- quanto as situações decorrentes.
"Eu sou a morte do real", tenta nos convencer Simone. A realidade virtual e a digitalização da imagem jogaram por terra, de fato, a crença no caráter eminentemente ontológico da imagem cinematográfica, mas ainda não passam de um subproduto da antiquíssima tradição ilusionista da qual o próprio cinema descende.
Natural que, em "S1m0ne", Taransky acabe por se tornar um ilusionista barato com um truque dos mais rentáveis. Curioso é ouvi-lo falar saudoso dos "tempos de (John) Cassavetes". Taransky faz o exato oposto de Cassavetes: enquanto o gênio novaiorquino dedicava os seus filmes à revelação de um corpo e de sua gestualidade, Taransky dedica-se à ocultação de um corpo, espalhando falsas evidências.
Em suas fantasias de diretor totalitarista, Taransky acaba escravo de sua criatura. Andrew Niccol, roteirista, produtor e diretor de "S1m0ne", ambiciona satirizar o "mundo de mentiras" de Hollywood, mas só consegue um subproduto tão "fake" quanto sua protagonista. A sátira em Hollywood parece ter morrido com Preston Sturges e Billy Wilder.

"S1m0ne"
Idem


 
Produção: EUA, 2002
Direção: Andrew Niccol
Com: Al Pacino, Rachel Roberts
Onde: nos cines Anália Franco, Extra Anchieta e circuito


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