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GASTRONOMIA
Manifesto de Ruy Castro, samba-enredo de Moacyr Luz e cardápio de Ana Soares exaltam a comida de boteco
Bar prepara ode à "baixa gastronomia"
JOSIMAR MELO
COLUNISTA DA FOLHA
Uma espécie de evento multimídia envolve neste mês um item
pouco estudado da cultura popular: a comida de botequim. A manifestação ocorre no bar Pirajá,
que decretou que ali, todo ano, este será o Mês da Baixa Gastronomia. E para sacramentá-lo, lançou
sábado um manifesto, um samba
e um cardápio (que entra hoje em
vigor) com o tema "Delírios da
Baixa Gastronomia" em oposição
à alta gastronomia, que seria a antítese da comida de boteco.
Seria, mas não é bem assim, embora o proselitismo militante do
"movimento" passe esta impressão. O manifesto foi redigido pelo
escritor carioca Ruy Castro ("O
Anjo Pornográfico"), que, para
compô-lo, reuniu uma passagem
de seu livro "Carnaval no Fogo" e
um artigo de revista. O manifesto
desanca a alta gastronomia, aquela dos restaurantes refinados.
Nestes, segundo ele, "a comida
lembra uma linda instalação minimalista, com um design irresistível (...)"; mas não passa de "um
bifinho muito do mixuruca ou
um insosso peixinho, uma massa
quase sempre medíocre ou uma
microporção de arroz "selvagem"
e aí está o segredo -belas firulas
com molho de cassis e talinhos de
nirá circundando os quase invisíveis ingredientes".
Castro defende o que batizou,
em "Carnaval no Fogo", de baixa
gastronomia: "os pratos típicos
dos botequins, quase sempre em
quantidade suficiente para alimentar duas pessoas pelas próximas 24 horas e que desmoralizam
as estatísticas sobre a fome no terceiro mundo. (...) Os simples nomes dos pratos já são uma ode ao
colesterol, mas quem quer viver
para sempre?".
O manifesto é acompanhado
por uma composição inédita do
compositor Moacyr Luz. Gravada
em ritmo de samba-enredo, a melodia é envolvente e a letra abre o
apetite (leia trecho nesta página).
Prosa, verso e música ficariam
vazios, num boteco, sem outra arte, a culinária. O Pirajá conclui sua
homenagem à Baixa Gastronomia com um cardápio inspirado
em sete sambas onde a cozinha é
evocada, cada um dando nome a
um prato. "No Pagode do Vavá"
(Paulinho da Viola) é o feijão carioca com mocotó, alheiras, lingüiça, codequim, paçoca de carne-seca e jiló. "Linha de Passe"
(João Bosco, Paulo Emílio e Aldir
Blanc) é o bolinho de angu recheado com rabada...
Só que para executar essas interpretações da "baixa gastronomia"
o Pirajá teve que abandonar o
flerte com a demagogia (comum
em manifestos inflamados) e se
render ao suposto inimigo: o bar
chamou uma refinada chef de cozinha, Ana Soares (do bufê Mesa
III), para elaborar os pratos. Curvaram-se assim à união óbvia e
desapaixonada entre todas as manifestações de uma boa arte.
Seria tão preconceituoso um
gourmet pedante desprezar um
pastelzinho alegando que é frito
em óleo de três dias quanto o
gourmet popular desprezar (por
não ter acesso ou sensibilidade) a
alta gastronomia, alegando que
vem pouca comida ou que é mera
decoração. A alta gastronomia,
feita com minuciosa técnica, é tão
importante quanto a cozinha popular, feita com pleno coração e
ambas com sensibilidade.
MÊS DA BAIXA GASTRONOMIA. Onde:
bar Pirajá (av. Brigadeiro Faria Lima, 64,
Pinheiros, tel. 3815-6881).
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