São Paulo, domingo, 21 de março de 1999

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OSCAR
Ex-presidiária Socorro Nobre, que inspirou Walter Salles, comparece hoje a comemoração no Espaço Unibanco
Verdadeira "Dora" vem a São Paulo

Patrícia Santos/Folha Imagem
Socorro Nobre, que inspirou "Central do Brasil", chora em gravação com Fernanda Montenegro (de costas)


CLAUDIA ASSEF
especial para a Folha

Para muitos brasileiros, "Central do Brasil", de Walter Salles, é motivo de orgulho nacional. Afinal, o filme recebeu duas indicações ao Oscar -melhor filme estrangeiro e melhor atriz, com Fernanda Montenegro.
Mas, para a microempresária Maria do Socorro Nobre, 46, o filme é muito mais do que orgulho. "Resgatei a minha dignidade com "Central'", resume.
Foi depois de conhecer Socorro que Salles teve a idéia de rodar o filme, no qual a escrevedora de cartas Dora (Fernanda Montenegro) é a personagem central.
Socorro, que esteve presa por seis anos, condenada como co-autora de um latrocínio (roubo à mão armada), escrevia cartas, listas de feira e bilhetes para as colegas analfabetas da penitenciária.
"Na prisão, preenchia meu tempo trabalhando na cozinha e fazendo cursos profissionalizantes. Quando sobrava um tempinho, escrevia as cartas das colegas. Minha mãe era analfabeta e sempre me pedia para escrever cartas para nossos parentes."
O contato com Salles aconteceu por intermédio do artista polonês naturalizado brasileiro Frans Krajcberg. "Na cadeia, li uma entrevista de Krajcberg. Ele falava de como saiu da Polônia arrasado.
A mãe dele havia sido morta e ele estava deprimido, desesperançoso. Mas quando chegou ao Brasil, viu que ainda havia vida dentro dele e acabou se recuperando. Me identifiquei com a história e lhe mandei uma carta", diz.
O artista se impressionou com a carta e mostrou-a a Salles. "O Walter mandou uma pessoa me procurar no presídio de Salvador. Por telefone, disse que gostaria de fazer um trabalho inspirado em mim".
Em setembro de 93, sete meses após ter mandado a carta a Krajcberg, Socorro recebeu a visita do cineasta. O resultado dos encontros no presídio, com a presença de Krajcberg, resultou no documentário "Socorro Nobre", já exibido em mostras na Europa e Estados Unidos e que deve estrear no país em abril.
Socorro saiu do presídio, sob liberdade condicional, em 1995 e montou uma pequena empresa de distribuição de ração. Em 1996, Salles a convidou para ir ao Rio de Janeiro, sem explicar o porquê. "Quando cheguei lá, os ensaios para as filmagens de "Central do Brasil' já haviam começado".
"Ele me pediu para escrever uma carta, como se fosse para alguém querido que estivesse preso. Eu escrevi. Daí apareceu a Fernanda Montenegro para gravar e ele disse: "Dite a sua carta'. E foi o que eu fiz", detalha Socorro. O resultado está na primeira cena do filme.
Estar em cena com Fernanda Montenegro assustou Socorro. "Fiquei angustiada, não sou atriz e estava lá, gravando com ela. No final, todos do set choraram."
Para Socorro, as indicações a melhor filme estrangeiro e melhor atriz eram inevitáveis. "O filme tem um pouquinho do coração de todo mundo que participou. Os prêmios são consequência de um trabalho extremamente sensível."

O quê: Sessão de acompanhamento da cerimônia do Oscar
Onde: Espaço Unibanco de Cinema (r. Augusta, 1475, Cerqueira César, tel. 287-5590)
Quando: hoje, a partir das 22h30
Quanto: grátis (distribuição de convites hoje, a partir das 14h, na bilheteria do cinema)




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