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São Paulo, quarta-feira, 21 de maio de 2003

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ARTES CÊNICAS

Criador francês está em turnê brasileira com projeto que funde coreografias e depoimentos de anônimos

Jamet dança seu "alfabeto de emoções"

Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem
O coreógrafo Philippe Jamet, que apresenta hoje no Sesc Pompéia o espetáculo "Retratos Dançados" com seu grupo Clara Scoth


VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Aos 15 anos, Philippe Jamet já batia de porta em porta vendendo livros. Hoje, aos 40 anos, o coreógrafo francês segue batendo em casas espalhadas por vários cantos do planeta para escrever uma espécie de "livro da vida". São histórias de pessoas anônimas escritas a partir de movimentos e imagens, o "alfabeto dançado das emoções", como prefere.
Depois de colher depoimentos de 20 moradores de São Paulo, em setembro de 2001, Jamet volta para mostrar como somou a porção brasileira ao projeto "Retratos Dançados" ("Portraits Danses"), que congrega vídeo e dança e com o qual vem percorrendo vários países desde 1999.
De hoje a sábado, o Sesc Pompéia apresentará o percurso coreográfico e a vídeo-instalação que Jamet concebeu ao lado do vídeo-criador e artista plástico Philippe Demard e do iluminador Didier Jacquemin.
A idéia é combinar a atuação de bailarinos profissionais e a expressão de intérpretes amadores filmados em vários países, como Burkina Fasso, Marrocos, Vietnã, Japão, Itália, Brasil e EUA.
O projeto, cuja turnê brasileira já passou pelo Rio e Festival Internacional de Londrina (PR), ocupa três salas com exibição de 96 filmes de três minutos cada um. Uma quarta sala é destinada a três dançarinos, incumbidos de traduzir em solos o que os cidadãos expressaram por meio do verbo ou da própria dança espontânea.
"Eu e minha equipe fomos acolhidos com muita humanidade em todos os lugares do mundo. Houve identificação com sentimentos como tristeza, saudade, alegria", afirma Jamet.
Ele considera que o período de captação lhe causa mais entusiasmo do que a própria apresentação do trabalho editado e coreografado. "O mais importante é o contato com aqueles que possivelmente nem irão assistir ao espetáculo", diz. Para tanto, a língua não se revelou uma barreira. Prevaleceu a fala universal do corpo, explica Jamet, como aquela que conheceu na Índia, onde a população é naturalmente inclinada para dançar.
Antes de enveredar pela dança (estudou com o americano Merce Cunningham), Jamet trabalhou como educador de crianças, adolescentes e idosos, o que lhe ampliou a percepção social.
A cada um dos entrevistados ele pediu para que qualificasse sua cidade e sua casa. Perguntou qual a parte preferida do corpo, qual a melhor coisa que já lhe ocorrera, a pior e o que mais temia.
Invariavelmente, os depoimentos trilharam tons intimistas. Os cidadãos partilhavam frustrações amorosas, esperanças, sonhos e descrições geográficas que expunham muito do seu interior.
O recurso de gravar com a câmera a fala de homens e mulheres desconhecidos pode remeter ao fenômeno recente dos "reality shows". Jamet, porém, ressalva que seu espírito é bem diverso, é mensurado pelo trabalho artístico da equipe envolvida e pela recepção do público em geral.
"Respeitei a todos. Muitos choraram, riram, mas não houve sensacionalismo em nenhum momento", afirma.
Segundo o coreógrafo, constitui, no limite, uma crítica antiglobalização. "Nota-se a universalidade de alguns gestos ou movimentos, códigos que se repetem em vários países. Mas preservam-se a individualidade, o caráter social, poético, pedagógico, psicológico contidos em cada depoimento que depois é representado por meio da dança", afirma.
"Somos todos senhores do mundo e os nossos sentimentos são os mesmos."
O criador afirma que nenhum dos entrevistados foi pago para ser entrevistado.
Desde 1989, Jamet e seus companheiros de criação estão ligados ao grupo Clara Scoth, que nasceu naquele ano. O nome associa à clareza em torno da vinculação artística e social dos projetos e à marca da fita adesiva. "Prova de que clareza cola em qualquer lugar do mundo", diz.
A próxima empreitada experimental de Jamet, e não menos internacional, é construir casas em quatro países diferentes, erguidas por moradores locais, igualmente anônimos, colocá-los para morar no respectivo espaço e acompanhá-los durante meses, anos, para estudar as formas de relação que surgem a partir daí.

RETRATOS DANÇADOS. Espetáculo-instalação de Philippe Jamet, intercalado por solos de dança. Onde: Sesc Pompéia - teatro (r. Clélia, 93, tel. 3871-7700). Quando: de hoje a sábado, das 14h às 21h; dom., das 12h às 19h. Quanto: grátis.


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