São Paulo, segunda-feira, 21 de agosto de 2000


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CINEMA

Em três curtas da mostra em cartaz, são utilizadas imagens já filmadas

Produções "recicladas" são destaque do festival

CARLOS ADRIANO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Entre os melhores filmes do Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, estão três experimentais do gênero "found footage", que retrabalha e reprocessa imagens já filmadas, materiais de arquivo que se transformam sob rigorosos princípios conceituais e vigorosos procedimentos estruturais.
Uma das obras-primas do cinema nos 90, "Espaço Exterior", de Peter Tscherkassky, reapropria-se de uma cena hollywoodiana e usa trucagens para torturar e arrastar Barbara Hershey entre arrepios. Numa casa possuída de forças estranhas externas, é perseguida por parâmetros técnicos do aparato cinematográfico.
As perfurações e a banda sonora invadem intermitentemente a imagem. A borda da película penetra no interior do plano trazendo impulsos disruptivos. Fratura a representação e o cenário. Os próprios elementos materiais do filme levam a ação a extremos de violência. O quadro se arrebenta e não se contém no cinemascope. Nessa epifania, os códigos da ilusão narrativa são destruídos. Mais horrorífico que "O Iluminado", esse curta já foi chamado de o "Hell Raiser" da vanguarda.
Ícones vivos em movimento e fragmentos de filmes soviéticos revelando lugares e figuras da Rússia são as vigas de "Trabalho e Progresso", de Vivian Ostrovsky e Yann Beauvais. Articulando digressões audiovisuais em ritmo preciso e vertiginoso de idéias, registros e memórias, o curta é tributário do legado inestimável do futurismo e do construtivismo russos e perfaz uma elegia da montagem conceitual (de Vertov a Pelechian).
A projeção em tela dividida é o plano da intervenção estética e política, multiplicando sentidos, alusões e ironias. Como uma crônica de viagem pelo tempo, deflagra a relação descontínua de signos que definem uma sociedade, analisam costumes e organizam uma ideologia. O curta realiza a crítica de um regime de imagens e sons por meio da apologia ao prodígio do cinema.
Com Tscherkassky e Martin Arnold ("Alone. Life Wastes Andy Hardy"), Gustav Deutsch forma o triunvirato vienense do filme "found footage". Seu "Tradição É Saber Lidar com o Fogo, Não Adorar as Cinzas" expõe imagens e prédios em chamas. É um trailer feito para o Arquivo de Filmes da Áustria, com um fragmento anônimo dos primórdios, sob citação de Gustav Mahler, que medita sobre a natureza do cinema.
Base dos filmes antigos, o nitrato é um material inflamável, mas a deterioração do suporte dá-se aqui pela água. Cine-manifesto de plano único, exibido nesse contexto, vira curioso desagravo à média medíocre do curta-metragem brasileiro, aquela piada que cultua o formato como mero portfólio/escalada do diretor e sua competência técnico-narrativa, suposta credencial para o tão almejado longa. Mas será que vão entender? Ou só vão achar graça?
Espaço Exterior; Trabalho e Progresso; Tradição É Saber Lidar com Fogo, Não Adorar as Cinzas


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