São Paulo, segunda-feira, 21 de agosto de 2006

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Crítica/artes plásticas

Apelo comercial dos Gêmeos frustra

Rogério Cassimiro/Folha Imagem
Obra dos grafiteiros Os Gêmeos, em exposição na galeria Fortes Vilaça, na Vila Madalena


FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

São Paulo é um dos grandes pólos de grafite no mundo, rivalizando com Nova York, Barcelona e outros centros, o que tem gerado um crescente interesse do campo artístico e de grandes empresas, que perceberam a força desses artistas. Nesse cenário, o traço delicado e lírico da dupla Os Gêmeos é uma das marcas da cidade.
Em meio ao caos da poluição sonora e visual da metrópole, as cenas criadas pelos irmãos Otávio e Gustavo Pandolfo são compostas por imagens oníricas que se alimentam da combustão criada pela polarização com seu contexto.
Ao transpor suas criações para o espaço neutro do cubo branco de uma galeria, o que ocorre com a mostra "O Peixe que Comia Estrelas Cadentes", na Fortes Vilaça, é nítido o esforço da dupla para manter a energia de suas obras nas ruas.
No piso inferior da galeria, Os Gêmeos transformam um de seus típicos bonecos amarelados em obra tridimensional, fazendo com que o personagem bidimensional das ruas passe a ocupar um espaço real, passível de ser penetrado. A operação, correta ao evitar uma simples transposição da obra na rua, revela-se, porém, frustrada.
Há uma infantilização nesse processo, o que certamente seduz o público, possivelmente uma das razões que transformam a exposição num fenômeno de visitação. Tal trabalho, entretanto, pelo simplismo publicitário do apelo fácil, em vez de colaborar para o alargamento do público de arte contemporânea, de certo irá aumentar ainda mais o distanciamento com a produção atual.
No caso de uma galeria como a Fortes Vilaça, isso representa uma cilada. Se a mostra fosse realizada na galeria de Romero Brito, o debate seria outro, já que este também usa recursos publicitários para o sucesso comercial. Entretanto, soa incompatível apresentar, num mesmo espaço, artistas da sofisticação de Rivane Neuenschwander, Iran do Espírito Santo ou Leda Catunda, só para citar três nomes da galeria, todos com uma obra contrária ao apelo espetacularizado que os Gêmeos produziram agora.
A transposição da produção de rua para as galerias não é novidade e já foi mais que bem realizado por precursores como Keith Haring (1958-1990) e Jean-Michel Basquiat (1960-1988) e pelos contemporâneos Barry McGee e Banksy.
A Choque Cultural tem buscado viabilizar essa ponte entre a produção na rua, necessariamente transgressora, e sua versão em galeria comercial, sem, no entanto, tornar a produção dos artistas comprometida a ponto de descaracterizá-la.
No caso dos Gêmeos, que já alcançaram sucesso no mercado americano, onde o exótico costuma ter espaço garantido, o resultado de sua primeira individual no Brasil é uma produção que está longe de entender a arte como uma instância de conhecimento e exercício de linguagem. O puro entretenimento, por mais bem realizado que ele possa ser, merece locais mais adequados do que uma galeria de arte contemporânea. O que se vê na Fortes Vilaça estaria mais ajustado a um desfile de escola de samba.

O PEIXE QUE COMIA ESTRELAS CADENTES  
Quando:
de ter. a sex., das 10h às 19h, e sáb., das 10h às 17h; até 16/9
Onde: Galeria Fortes Vilaça (*r. Fradique Coutinho, 1.500, Vila Madalena, tel. 3032-7066)
Quanto: entrada franca


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