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São Paulo, quinta-feira, 22 de maio de 2003

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"RETORNARSE"

Encenada na Casa nš 1, peça da Companhia Auto-Retrato não se quer como objeto estético, mas processo

Grupo se intimida com a própria ousadia

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Apresentado como pesquisa em torno do movimento e da memória pessoal, "Retornarse" não chega a se constituir em um espetáculo de teatro-dança, apesar da precisão e do preparo das atrizes que se expressam através de coreografias e monólogos nos quais evocam sua infância.
A ênfase no improviso, reforçada pela disposição espacial -os espectadores sentam em almofadas em redor de uma sala comum, segundo a estética dominante dos espetáculos da Casa nš 1-, dá a sensação de estar em uma festa na casa de alguém.
Assim, ávidas e breves confissões pessoais são entremeadas por longos momentos nos quais a angústia não dita se expressa em dança. Olho no olho, em flerte aberto com cada um na platéia, vai se criando a promessa de uma entrega final -ou não.
Apesar de uma elegia inicial à infância, quando uma atriz apresenta fotos de si mesma menina e manifesta o desejo de se manter assim, preservada em um presente eterno, o tom que domina é de desencanto, como se a entrada no mundo adulto não revelasse a dor e a delícia de ser o que se é, mas o desapontamento por não se tornar nada além do que sempre se foi.

Processo
Sem nenhum apelo panfletário: retornar-se não é revoltar-se. Não há auto-indulgência, não se trata aqui de uma pseudoterapia na qual se passa à platéia o ônus de endossar uma mistificação de si mesmo.
A própria estratégia de auto-exposição, levada ao máximo na cena final, é uma constatação de um beco sem saída. As atrizes se negam à delícia de se tornar outro e, redundando na mera presença, despem-se de todo sentido.
É difícil avaliar esteticamente a experiência, dado que não se propõe a ser um objeto estético, mas o compartilhar de um processo. A crueza da proposta chega ao desconforto, e parece ser essa mesma a intenção.
No entanto, há uma insegurança na execução, uma timidez diante da própria ousadia que faz acreditar que a companhia Auto-Retrato está ainda no meio do caminho: não se pode mais ignorá-la, mas já se espera mais dela.


Retornarse  
Texto: Caetano Gotardo
Direção: Maurício Veloso
Com: Companhia Auto-Retrato (Gabriela Schwab, Marina Corazza, Marina Tranjan, Thaís Almeida Prado e Thaís Rapini)
Onde: Casa nš 1 (r. Roberto Simonsen, 136-B, região central, tel. 3241-3132)
Quando: de sex. a dom., às 20h; até 29/6
Quanto: R$ 10 (amanhã, entrada franca)



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