|
Próximo Texto | Índice
MÚSICA
Em apresentação no Sesc Vila Mariana, em São Paulo, violonista gaúcho mostrou as canções de seu CD ao vivo
Yamandú Costa é um Caravaggio do sete-cordas
Maristela Martins/Divulgação
|
O violonista gaúcho Yamandú Costa, que fez show no Sesc Vila Mariana baseado nas canções de seu álbum gravado ao vivo
|
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Lá pela quarta música, a gente
começa a achar tudo aquilo
normal. Mas não é: só Yamandú
toca esse instrumento, que ainda
não tem nome. Visto de longe, parece um violão de sete cordas. Ouvido de perto, ele se transforma
numa parte exótica do corpanzil
do gaúcho, cuja música parece explodir de dentro para fora, pela
barra das bombachas e pela rosácea do yamandulão.
Era o show de lançamento do
CD (independente) "Yamandú
Ao Vivo". Quer dizer: era "Yamandú Ao Vivo" ao vivo, no auditório lotado do Sesc Vila Mariana, quinta passada. Junto com ele
estavam o virtuosístico e expansivo baixista Thiago do Espírito
Santo -filho do mestre Arismar,
que deu uma canja- e o virtuosístico e discreto baterista Edu Ribeiro: ótima combinação, bem ao
contrário do habitual (baixistas
cômodos, bateristas incômodos).
Que Yamandú tenha atacado,
de cara, um tema de Baden Powell
(a "Valsa nš 1"), soou como homenagem ao precursor. No imenso céu do violão brasileiro, já se
formou, a essa altura, uma constelação quadrangular: Garoto, Baden, Raphael Rabello e Yamandú.
Garoto é o pai de todos. Raphael é
Rafael para o Michelangelo de Baden. E Yamandú é a estrela exorbitante, um Caravaggio do sete-cordas, esbanjando confiança e
extravagância.
Nos momentos de maior felicidade, a extravagância é avassaladora e consome qualquer ressalva
com o fogo da música. Yamandú
chega no limite do descuido, para
não dizer do desprezo pela beleza
clássica do som. Independentemente da amplificação (alta demais, metálica nos agudos, embolando o baixo e o violão -a miséria de sempre), o negócio dele é
outro. E não só quando o que importa é o efeito do brutalismo
mesmo.
Até na impressionista "Nuages", de Django Reinhardt (1910-53), que ele teve a inspiração de
ressuscitar, chega um momento
em que algo sai de dentro da calma, outra música, sem paciência
com a própria elegância.
Quando vira samba, então, ninguém segura. Chega a ser incongruente ver essa criatura de lenço
maragato no pescoço suingando
como Baden no Paraíso. "Essa é
bagual!", disse ele, antes de mudar
de registro e lascar uma versão
antológica do "Taquito Militar"
(Mariano Moraes).
Quando as incongruências chegam na música é que a coisa, às
vezes, complica. Dois exemplos:
uma versão jazzística, quase à
New Orleans, de "Sampa" (Caetano) e uma "Disparada" (Geraldo
Vandré e Theo de Barros) tirada
do fundo do baú e vestida de alegria. No primeiro caso, não se
perdeu todo o universo de referências da canção? (Vanzolini,
"Ronda", tropicalistas paulistas.)
No segundo, não se esqueceu o
contexto? (Regime militar, rebelião, "na boiada já fui boi" etc.)
A sensação que se tem é que Yamandú simplesmente não está
preocupado com isso. As letras
nem entram em questão. Nem como lembrança: a força da música
cobre tudo de espanto e encantamento.
Encantados e espantados, a
gente nem se dá conta de que essa
música, com todo o seu delírio
maravilhoso, comove pouco, afinal. Mas é um espetáculo incrível:
Yamandú, aos 23 anos, já se tornou, sem nenhum favor, um dos
maiores violonistas do mundo.
Que ele esteja por aí, dando sopa
nos palcos brasileiros, é um privilégio; e imaginar o que vem pela
frente anima qualquer um.
Avaliação:
YAMANDÚ AO VIVO. Artista: Yamandú
Costa. Lançamento: independente.
Quanto: R$ 18, em média.
Próximo Texto: Dança:"Trapiche" busca um outro país dentro de nós Índice
|