|
Índice
"MACBETH"
Espetáculo sob regência de Ira Levin traz montagem apresentada na inauguração do Teatro da Paz, em Belém
Nada de muito sério a dizer sobre Verdi
Cristiana Castello Branco/Folha Imagem
|
Solistas em ensaio de "Macbeth", produção da OSM regida por Ira Levin, que se apresenta esta semana no Municipal |
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
A platéia entende do riscado e aplaudiu com entusiasmo a ária do tenor Eduardo Itaborahy ("Ah, la Paterna Mano"), no
ato 4. Era só o que se podia aplaudir entusiasmado na estréia de
"Macbeth", regida por Ira Levin,
domingo, no Teatro Municipal.
Verdi (1813-1901) "foi a última
grande voz do humanismo não
em guerra consigo mesmo", escreveu Isaiah Berlin (em "The
Verdi Companion", 1979). Quer
dizer: um artista em harmonia
com as convenções de seu tempo,
"naïf" no sentido que o século 19
dava a essa palavra, um compositor imune às torturas da ironia e
da autoconsciência. Para nosso
próprio torturado gosto, suas
óperas parecem oscilar entre o estilo popular "baixo" e a nostalgia
de uma arte simples, direta.
O curioso, então, nesta montagem do Municipal -dirigida por
Cleber Papa e Rosana Caramaschi
e já apresentada em maio, com algumas mudanças, na inauguração do Teatro da Paz, em Belém-, é que o registro, embora
tendendo para o cecilbdemillesco,
dá-se ares de arte elevada. A produção não tem nada de muito definido a dizer sobre "Macbeth",
mas sabe que tem de assumir porte sério. Que o resultado, muitas
vezes, pareça cômico não deixa de
ser verdianamente saudável e pode ser visto com bom humor.
Isso se aplica à maior parte da
encenação, seja nas caricaturas do
casal Macbeth protagonizadas pelo bom barítono finlandês Juha
Uusitalo e pela soprano americana Gail Gilmore -que jamais
correm o risco de olhar um para o
outro com alguma coisa lembrando uma faísca erótica-, seja no
coro das bruxas, encarnando seu
papel à maneira de teatro escolar,
seja no povo sofrido da Escócia,
cantando as misérias da opressão
(no famoso "Patria Oppressa")
com expressão entre neutra e nula
-não, é bom que se diga, no canto: no rosto e no corpo-, seja na
luta de espadas, em que se teve o
cuidado de suavizar ao máximo
os delírios sangrentos de "Macbeth". Cristina Mutarelli sabiamente optou por minimizar as
coisas, ou o resto das coisas.
O mesmo registro incerto aplica-se, também, ao cenário (David
Higgins). Comentário de uma
amiga, sobre o pórtico do castelo:
"Parece a entrada de um campo
de concentração na versão dos
Flinstones". (A amiga exagera.) E
um amigo, descrevendo a cena do
sonambulismo de Lady Macbeth,
lembrou a velha propaganda dos
cobertores Parahyba. (Maldade.)
O fato é que Gail Gilmore fez uma
Lady Macbeth mecânica, sem
qualquer alteração de caráter ao
longo do tempo, o que tornou absurda a caminhada noturna.
E o Banquo de Luis Ottavio Faria? Bela voz, não comprometeu
no palco, impressionante embrulhado em gelo seco na cena do
banquete. Paulo Queiroz (Malcolm): belo esforço, mas não nasceu para ser soldado.
E a orquestra? Continua a mesma: a mesma OSM melhorada
que estamos ouvindo desde a chegada do maestro Levin. Pena que
já estacionou. Muito longe de
aonde precisa chegar. E o perigo é
achar que está bom assim.
A idéia de ter uma orquestra tocando grandes óperas regularmente na cidade só pode ser
aplaudida. Talvez seja loucura fazer, de cara, "Macbeth", "Madame Butterfly" (agosto), "Sansão e
Dalila" (setembro) e "Don Giovanni" (outubro). A estréia não
entusiasmou? Não; mas todo
mundo sabe que podia ser pior
-muito pior. Oxalá chegue logo
o tempo em que se possa aplaudir
não só a idéia, mas a música.
Macbeth
Com: Orquestra Sinfônica Municipal,
coral lírico e solistas
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de
Azevedo, s/nš, tel. 222-8698)
Quando: hoje e dias 25, 27 e 29, às
20h30
Quanto: de R$ 15 a R$ 100
Índice
|