São Paulo, terça-feira, 23 de julho de 2002

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"MACBETH"

Espetáculo sob regência de Ira Levin traz montagem apresentada na inauguração do Teatro da Paz, em Belém

Nada de muito sério a dizer sobre Verdi

Cristiana Castello Branco/Folha Imagem
Solistas em ensaio de "Macbeth", produção da OSM regida por Ira Levin, que se apresenta esta semana no Municipal


ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

A platéia entende do riscado e aplaudiu com entusiasmo a ária do tenor Eduardo Itaborahy ("Ah, la Paterna Mano"), no ato 4. Era só o que se podia aplaudir entusiasmado na estréia de "Macbeth", regida por Ira Levin, domingo, no Teatro Municipal.
Verdi (1813-1901) "foi a última grande voz do humanismo não em guerra consigo mesmo", escreveu Isaiah Berlin (em "The Verdi Companion", 1979). Quer dizer: um artista em harmonia com as convenções de seu tempo, "naïf" no sentido que o século 19 dava a essa palavra, um compositor imune às torturas da ironia e da autoconsciência. Para nosso próprio torturado gosto, suas óperas parecem oscilar entre o estilo popular "baixo" e a nostalgia de uma arte simples, direta.
O curioso, então, nesta montagem do Municipal -dirigida por Cleber Papa e Rosana Caramaschi e já apresentada em maio, com algumas mudanças, na inauguração do Teatro da Paz, em Belém-, é que o registro, embora tendendo para o cecilbdemillesco, dá-se ares de arte elevada. A produção não tem nada de muito definido a dizer sobre "Macbeth", mas sabe que tem de assumir porte sério. Que o resultado, muitas vezes, pareça cômico não deixa de ser verdianamente saudável e pode ser visto com bom humor.
Isso se aplica à maior parte da encenação, seja nas caricaturas do casal Macbeth protagonizadas pelo bom barítono finlandês Juha Uusitalo e pela soprano americana Gail Gilmore -que jamais correm o risco de olhar um para o outro com alguma coisa lembrando uma faísca erótica-, seja no coro das bruxas, encarnando seu papel à maneira de teatro escolar, seja no povo sofrido da Escócia, cantando as misérias da opressão (no famoso "Patria Oppressa") com expressão entre neutra e nula -não, é bom que se diga, no canto: no rosto e no corpo-, seja na luta de espadas, em que se teve o cuidado de suavizar ao máximo os delírios sangrentos de "Macbeth". Cristina Mutarelli sabiamente optou por minimizar as coisas, ou o resto das coisas.
O mesmo registro incerto aplica-se, também, ao cenário (David Higgins). Comentário de uma amiga, sobre o pórtico do castelo: "Parece a entrada de um campo de concentração na versão dos Flinstones". (A amiga exagera.) E um amigo, descrevendo a cena do sonambulismo de Lady Macbeth, lembrou a velha propaganda dos cobertores Parahyba. (Maldade.) O fato é que Gail Gilmore fez uma Lady Macbeth mecânica, sem qualquer alteração de caráter ao longo do tempo, o que tornou absurda a caminhada noturna.
E o Banquo de Luis Ottavio Faria? Bela voz, não comprometeu no palco, impressionante embrulhado em gelo seco na cena do banquete. Paulo Queiroz (Malcolm): belo esforço, mas não nasceu para ser soldado.
E a orquestra? Continua a mesma: a mesma OSM melhorada que estamos ouvindo desde a chegada do maestro Levin. Pena que já estacionou. Muito longe de aonde precisa chegar. E o perigo é achar que está bom assim.
A idéia de ter uma orquestra tocando grandes óperas regularmente na cidade só pode ser aplaudida. Talvez seja loucura fazer, de cara, "Macbeth", "Madame Butterfly" (agosto), "Sansão e Dalila" (setembro) e "Don Giovanni" (outubro). A estréia não entusiasmou? Não; mas todo mundo sabe que podia ser pior -muito pior. Oxalá chegue logo o tempo em que se possa aplaudir não só a idéia, mas a música.


Macbeth   
Com: Orquestra Sinfônica Municipal, coral lírico e solistas
Onde: Teatro Municipal (pça. Ramos de Azevedo, s/nš, tel. 222-8698)
Quando: hoje e dias 25, 27 e 29, às 20h30
Quanto: de R$ 15 a R$ 100




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