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Crítica/teatro
Bortolotto enfrenta a morte em "Uma Pilha de Pratos na Cozinha"
Despretensiosa, peça que encerra sua temporada neste domingo aponta para um aprofundamento do dramaturgo
SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
"Uma Pilha de Pratos
na Cozinha" é uma
peça de ocasião,
como muitas na carreira de
Mário Bortolotto: foi uma das
sete que integrou o projeto "E
Se Fez a Praça Roosevelt em 7
Dias", maratona de inéditos como costuma promover o grupo
Os Satyros. Destacando-se das
demais, fez carreira breve, que
se encerra essa semana.
Bortolotto escreve sem revisar, mas não gosta que lhe mudem o texto. Prova de fé em seu
taco. Extrai a essência de um
meio que ele conhece bem, a
geração beat paulistana, de modo quase instantâneo, mas o
desleixo é só aparente. Menospreza cenários para valorizar os
atores para quem escreve, em
geral cenas únicas quase em
tempo real, separadas por breves lapsos de tempo na melhor
tradição da geração de Plínio
Marcos, José Vicente e Consuelo de Castro.
Seus diálogos têm um humor
ácido, e seus personagens muitas vezes parecem sair do universo dos quadrinhos, numa
auto-ironia depreciativa em
que a dor e a solidão são panos
de fundo constantes.
Assim, neste texto, temos um
domingo aparentemente banal
na vida vazia de quase amigos.
Otávio Martins faz com sua habitual sutileza e profundidade
um ex-traficante em depressão, que tem que dosar a adrenalina de um músico de bar freqüentador constante de sua casa, feito de modo hilário por
Alex Gruli. A chegada do zelador, Eduardo Chagas, que se
apresenta como "evangélico e
viado enrustido" não ajuda a
animar o dono desse apartamento decadente, no qual se vê,
ao fundo, a pilha de pratos que
espera ser lavada.
Paula Cohen chega para mudar o tom: causa da depressão
de seu namorado, revela sem
maiores rodeios que está com
uma doença terminal. Intensa,
sem cair na autopiedade, não
dá detalhes: o naturalismo de
Bortolotto não perde tempo
com isso.
O humor se torna cada vez
mais desesperado e aflora uma
angústia existencial que já marcava uma peça anterior, "Homens, Santos e Desertores".
Talvez justamente pela sua
despretensão, essa peça menor,
quase um esboço, aponta para
um aprofundamento do teatro
de Mário Bortolotto. Não há
piadas que façam esquecer a
morte. Já não é mais tempo de
deboche. A geração está madurecendo, e alguém precisa começar a lavar os pratos.
UMA PILHA DE PRATOS NA COZINHA
Quando: sex. a dom., às 22h30; até domingo
Onde: Espaço dos Satyros 1 (pça. Franklin Roosevelt, 214, República, tel.
3258-6345)
Quanto: R$ 20
Avaliação: bom
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