São Paulo, quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Próximo Texto | Índice

Crítica/teatro

Bortolotto enfrenta a morte em "Uma Pilha de Pratos na Cozinha"

Despretensiosa, peça que encerra sua temporada neste domingo aponta para um aprofundamento do dramaturgo

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"Uma Pilha de Pratos na Cozinha" é uma peça de ocasião, como muitas na carreira de Mário Bortolotto: foi uma das sete que integrou o projeto "E Se Fez a Praça Roosevelt em 7 Dias", maratona de inéditos como costuma promover o grupo Os Satyros. Destacando-se das demais, fez carreira breve, que se encerra essa semana.
Bortolotto escreve sem revisar, mas não gosta que lhe mudem o texto. Prova de fé em seu taco. Extrai a essência de um meio que ele conhece bem, a geração beat paulistana, de modo quase instantâneo, mas o desleixo é só aparente. Menospreza cenários para valorizar os atores para quem escreve, em geral cenas únicas quase em tempo real, separadas por breves lapsos de tempo na melhor tradição da geração de Plínio Marcos, José Vicente e Consuelo de Castro.
Seus diálogos têm um humor ácido, e seus personagens muitas vezes parecem sair do universo dos quadrinhos, numa auto-ironia depreciativa em que a dor e a solidão são panos de fundo constantes.
Assim, neste texto, temos um domingo aparentemente banal na vida vazia de quase amigos.
Otávio Martins faz com sua habitual sutileza e profundidade um ex-traficante em depressão, que tem que dosar a adrenalina de um músico de bar freqüentador constante de sua casa, feito de modo hilário por Alex Gruli. A chegada do zelador, Eduardo Chagas, que se apresenta como "evangélico e viado enrustido" não ajuda a animar o dono desse apartamento decadente, no qual se vê, ao fundo, a pilha de pratos que espera ser lavada.
Paula Cohen chega para mudar o tom: causa da depressão de seu namorado, revela sem maiores rodeios que está com uma doença terminal. Intensa, sem cair na autopiedade, não dá detalhes: o naturalismo de Bortolotto não perde tempo com isso.
O humor se torna cada vez mais desesperado e aflora uma angústia existencial que já marcava uma peça anterior, "Homens, Santos e Desertores".
Talvez justamente pela sua despretensão, essa peça menor, quase um esboço, aponta para um aprofundamento do teatro de Mário Bortolotto. Não há piadas que façam esquecer a morte. Já não é mais tempo de deboche. A geração está madurecendo, e alguém precisa começar a lavar os pratos.


UMA PILHA DE PRATOS NA COZINHA
Quando:
sex. a dom., às 22h30; até domingo
Onde: Espaço dos Satyros 1 (pça. Franklin Roosevelt, 214, República, tel. 3258-6345)
Quanto: R$ 20
Avaliação: bom


Próximo Texto: Circo da China exalta natureza em espetáculo que estréia no Via Funchal
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.