São Paulo, quarta-feira, 23 de novembro de 2005

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MÚSICA

A grande vocalista de jazz de sua geração, norte-americana Madeleine Peyroux, 31, mostra sua voz à Billie Holiday

SP recebe "filha" da mãe de todas as cantoras

Rafa Rivas - 15.jul.2005/France Presse
A norte-americana Madeleine Peyroux, que se apresenta hoje em São Paulo e deve calcar repertório em seu 2º CD, "Careless Love"


SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

A Madeleine Peyroux que se apresenta hoje em São Paulo este crítico assistiu no fim de maio deste ano no Festival de Jazz de Primavera de San Francisco, na Califórnia, em duas noites batizadas "Vocalistas Visionárias".
(Em outra data, o mesmo evento receberia a grande Shirley Horn, morta em outubro último, em um de seus derradeiros shows; a única diva do jazz viva cantou e tocou piano já numa cadeira de rodas; foi inesquecível.)
Era a Madeleine Peyroux pré-"sumiço". Era também a Madeleine Peyroux pós-"ruas". Pré-"sumiço": em agosto, a cantora desapareceu em meio a uma agenda apertada de shows. A Universal, sua gravadora, contratou um detetive particular para descobrir seu paradeiro. Depois, divulgou que ela não agüentou o ritmo do sucesso e saiu em busca do eixo.
Pós-"ruas": era a primeira apresentação só dela e banda para uma platéia "de verdade", num festival de jazz "de verdade", segundo palavras da própria. De lá, ela disse, começaria uma turnê nacional e depois internacional -daí nós aqui no Brasil.
Até então -e aquela noite foi a transformação, ao vivo-, ela ainda trazia a voz, os trejeitos e o olhar pidão dos músicos de rua, habituada que era a tocar para encher o chapéu. Antes de começar a primeira música, disse, sem graça: "Quanta gente!". Depois, emendou: "Quanto silêncio!".
Não sabia o que fazer com as mãos, não sabia o que falar entre as músicas, sua banda (piano, baixo, bateria, guitarra acústica à Django Reinhardt) parecia feita de umpa-lumpas, tal a desproporção entre o tamanho do palco e o espaço que eles ocupavam -físico e, OK, "psicológico".
Era uma vocalista e sua banda tocando no metrô, se o metrô cobrasse US$ 80 pelo bilhete e fosse freqüentado por dondocas, peruas e endinheirados em geral.
Também foi inesquecível.
Peyroux montou seu repertório principalmente sobre o segundo e mais recente álbum, o irretocável "Careless Love", do ano passado, cujo ponto alto é a interpretação de "Dance me to the End of Love", de Leonard Cohen. No CD como no show, o ouvinte presencia aquele momento preciso em que músicas se tornam standards pelas cordas vocais das divas.
Tocou ainda "You're Gonna Make Me Lonesome When You Go", de Bob Dylan, irreconhecivelmente melhor com ela, a irrepreensível "J'Ai Deux Amours", antes gravada por Josephine Baker, a sapeca "Don't Cry Baby", de Ray Charles, e a triste, triste "Weary Blues", de Hanky Williams, num crossover blues-jazz.
Nascida no Estado norte-americano da Geórgia há 31 anos, mas de ascendência francesa (e uma pós-adolescência cantando pelas ruas e pelo metrô tanto de Paris quanto de Nova York, o que realmente aconteceu, mas a gravadora gosta de bater nessa tecla para dar mais "autenticidade" ao seu produto), Peyroux vem nos últimos dias fazendo turnê no Brasil.
Já passou por Curitiba e o restaurante Jam House, em São Paulo, se apresentaria ontem à noite em Porto Alegre e segue sexta-feira e sábado para Belo Horizonte e Rio de Janeiro, respectivamente. Depois, de volta aos EUA, para Portland, no Estado de Oregon, e o encerramento em Denver, no Colorado.
Uma das críticas mais fáceis que Peyroux recebe é que imita Billie Holiday. De fato, a melhor cantora norte-americana de todos os tempos está lá, na voz da discípula. De verdade, o que aconteceu é que Peyroux tem uma notável semelhança vocal com Holiday, que ela esgarçou o quanto foi preciso a cada vez que ouvia a comparação (leia "efeito chapéu", acima).
Com a prática e os anos, a característica ficou cada vez mais impregnada nela, na voz rascante e doída, mas ganhou rosto próprio. Reduzi-la a apenas isso é apenas isso, reducionismo. Mesmo que fosse, se é para imitar, por que não imitar a mãe de todas as cantoras?


Madeleine Peyroux
    
Quando: hoje, às 21h30
Onde: Via Funchal (r. Funchal, 65, Vila Olímpia, tel. 3846-2300)
Quanto: de R$ 150 a R$ 350 (para estudantes, de R$ 75 a R$ 175)


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