São Paulo, sábado, 23 de dezembro de 2000

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TEATRO

Zé Celso promove leitura dramática da obra de Euclides da Cunha (1866-1909); montagem estréia no ano que vem

Oficina faz "ensaio-festa" para "Os Sertões"

Eduardo Knapp/Folha Imagem
O diretor Zé Celso durante ensaio da encenação de "Os Sertões" no teatro Oficina


VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O chão de terra batida e a árvore da bananeira, elementos naturais que se destacam na paisagem do palco-corredor do teatro Oficina, em São Paulo, são integrados à cena com fundamento: o cultivo da terra e a colheita são metáforas para "Os Sertões", adaptação do romance homônimo de Euclides da Cunha (1866-1909), que o diretor José Celso Martinez Corrêa e a companhia Oficina Uzyna Uzona estréiam no ano que vem.
Antes, hoje à tarde, acontece a primeira leitura pública de trechos do texto, com ênfase em "A Terra", a primeira parte de "Os Sertões". Trata-se do território de Canudos (BA), palco às margens do rio Vaza-Barris, no qual as forças militares enviadas pelos governos estadual e federal enfrentaram os sertanejos liderados por Antonio Conselheiro, que já havia reunido à sua volta centenas de adeptos e conseguiu derrotar três expedições militares.
Conselheiro se denominava enviado de Deus para diminuir o sofrimento dos sertanejos e limpar os "pecados" da República. Foi morto em setembro de 1897. No mês seguinte, o arraial, com cerca de 5.000 casebres, foi incendiado. O conflito resultou em cerca de 25 mil mortos.
O encontro de hoje também marca o 13º ano do assassinato do irmão de Zé Celso, o também ator e diretor Luiz Antonio Martinez Corrêa ("O Casamento do Pequeno Burguês", de Brecht, em 68, e "O Percevejo", de Maiakóvski, em 81). No dia 23 de dezembro de 87, ele foi encontrado em seu apartamento, em Ipanema, com os pés e as mãos amarrados e cerca de 80 facadas pelo corpo. O criminoso Gláucio Garcia de Arruda foi condenado há 26 anos de prisão.
Em anos anteriores, Corrêa foi homenageado por meio de leitura ou ensaio aberto de obras como "Taniko - O Rito do Vale", sua adaptação para a peça nô do japonês Zenchiku, escrita no século 15, e "Pra Dar um Fim no Juízo de Deus", a partir de peça radiofônica de Antonin Artaud.
Para a "revivescência" de "Os Sertões", Zé Celso, 63, pede para que o público compareça com o seu próprio exemplar. "Quero que o espectador traga o livro para participar da leitura pública como um coro. E, se chover, traga também o seu guarda-chuva."
Segundo Zé Celso, a mãe de um dos atores vai preparar uma umbuzada (com umbu, fruto do umbuzeiro), prato típico do sertanejo que vive na caatinga.
O evento, com entrada franca, serve como termômetro para a montagem. "Ainda não é um ensaio aberto, não é peça. É um laboratório em torno da terra. É um ensaio-festa", diz Zé Celso.
Correspondente do jornal "O Estado de S. Paulo", Euclides da Cunha relatou os acontecimentos em 1897. Cinco anos depois, lançaria o romance que dividiu em três partes "A Terra", "O Homem" e "A Luta".
Além dos atores do Uzyna Uzona, o ensaio-festa de fim-de-ano terá participação especial de jovens da favela Heliópolis (que encenaram há pouco "Queda para o Alto" no mesmo teatro) e de cerca de 90 pessoas que integram as sete oficinas do projeto Residência Externa, da Oficina Cultural Oswald de Andrade, que abriga "Os Sertões" desde outubro (as aulas prosseguem até março).


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