São Paulo, domingo, 24 de maio de 2009

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Crítica/teatro/"Mediano"

Ator sobrevive a avalanche de clichês em monólogo

Marco Antônio Pâmio revela maturidade, mas texto padece de superficialidade crônica

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

O teatro pode ser um espelho que permita aos seus frequentadores confrontar-se com a sua própria imagem e com a comunidade em que ela se projeta. O espetáculo "Mediano" é uma tentativa de concentrar em um único personagem algumas das piores características do homem brasileiro e de flagrá-las criticamente em chave irônica.
Mas, pelo compromisso do dramaturgo Otávio Martins com um resgate da história brasileira dos últimos 30 anos, esse retrato ideal às avessas mais diverte do que confronta. Ao dilatar-se no tempo, a ação do protagonista padece de superficialidade crônica e nunca consegue revelar mais do que as peles que ele vai trocando em sua trajetória exemplar de arrivista.
O autor foge da solução tradicional, em que a trama estabelece um arco de ação menos amplo, de modo que o personagem possa se revelar com mais profundidade e gerar identificação com o espectador.
No caso de "Mediano", há um curioso efeito de reconhecimento indireto. Quer dizer, todos reconhecem aqueles defeitos do personagem como atributos típicos do estereótipo do brasileiro médio -oportunista, preguiçoso, amoral-, mas ninguém se identifica com eles, pois aparecem de forma tão caricata e rasa que permanecem como máscaras cômicas.
Considerando essas limitações, chega a surpreender o patamar de qualidade que a encenação alcança. Optando pela simplicidade de uma única mesa e de três cubos, todos escuros, o diretor Naum Alves de Souza joga apenas com a luz e uma marcação precisa nos movimentos de seu único ator, para contribuir discretamente a favor do espetáculo.
Os principais méritos recaem sobre os ombros de Marco Antônio Pâmio, corajoso sobrevivente à avalanche de clichês que o texto o obriga a pronunciar. Colabora em seu desempenho virtuoso o fato de a dramaturgia, mesmo sendo um monólogo, estruturar-se de forma dialógica pela fala de 17 personagens, que contracenam com o protagonista ao longo de sua vida. Assim, Pâmio é, além do brasileiro "médio", sua mãe fofa, seu pai autoritário, seu irmão gay, a irmã destrambelhada, o chefe da repartição perneta, a secretária boazuda que se tornará sua mulher, cada um dos dois filhos e uma série de políticos e lobistas com quem se vai aliando em sua escalada.
É inegável o talento e a maturidade que o ator revela para dar conta dessa demanda do dramaturgo. Poucos atores de sua geração conseguiriam encará-la. Mas, no fim, fica-se com a impressão que toda essa potencialidade está ali sendo desperdiçada e que Pâmio e a realidade brasileira mereciam um texto mais denso.
Ao optar por um catálogo de fatos marcantes de nossa história recente como pano de fundo da saga de seu personagem, Otávio Martins o condenou à ligeireza e à leveza de uma piada de salão. O que poderia ter sido o espelhamento cruel da miséria moral brasileira vira, de fato, um passatempo a colaborar que nos distraiamos dela.


MEDIANO

Quando: sáb., às 19h e às 21h; dom., às 18h e às 20h; até 6/6
Onde: Viga Espaço Cênico (r. Capote Valente, 1.323, tel. 3801-1843)
Quanto: R$ 30
Classificação: 14 anos
Avaliação: regular


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