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Crítica/teatro/"Mediano"
Ator sobrevive a avalanche de clichês em monólogo
Marco Antônio Pâmio revela maturidade, mas texto padece de superficialidade crônica
LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA
O teatro pode ser um espelho que permita aos
seus frequentadores
confrontar-se com a sua própria imagem e com a comunidade em que ela se projeta. O
espetáculo "Mediano" é uma
tentativa de concentrar em um
único personagem algumas das
piores características do homem brasileiro e de flagrá-las
criticamente em chave irônica.
Mas, pelo compromisso do
dramaturgo Otávio Martins
com um resgate da história brasileira dos últimos 30 anos, esse
retrato ideal às avessas mais diverte do que confronta. Ao dilatar-se no tempo, a ação do protagonista padece de superficialidade crônica e nunca consegue revelar mais do que as peles
que ele vai trocando em sua trajetória exemplar de arrivista.
O autor foge da solução tradicional, em que a trama estabelece um arco de ação menos
amplo, de modo que o personagem possa se revelar com mais
profundidade e gerar identificação com o espectador.
No caso de "Mediano", há um
curioso efeito de reconhecimento indireto. Quer dizer, todos reconhecem aqueles defeitos do personagem como atributos típicos do estereótipo do
brasileiro médio -oportunista,
preguiçoso, amoral-, mas ninguém se identifica com eles,
pois aparecem de forma tão caricata e rasa que permanecem
como máscaras cômicas.
Considerando essas limitações, chega a surpreender o patamar de qualidade que a encenação alcança. Optando pela
simplicidade de uma única mesa e de três cubos, todos escuros, o diretor Naum Alves de
Souza joga apenas com a luz e
uma marcação precisa nos movimentos de seu único ator, para contribuir discretamente a
favor do espetáculo.
Os principais méritos recaem sobre os ombros de Marco Antônio Pâmio, corajoso sobrevivente à avalanche de clichês que o texto o obriga a pronunciar. Colabora em seu desempenho virtuoso o fato de a
dramaturgia, mesmo sendo um
monólogo, estruturar-se de
forma dialógica pela fala de 17
personagens, que contracenam
com o protagonista ao longo de
sua vida. Assim, Pâmio é, além
do brasileiro "médio", sua mãe
fofa, seu pai autoritário, seu irmão gay, a irmã destrambelhada, o chefe da repartição perneta, a secretária boazuda que se
tornará sua mulher, cada um
dos dois filhos e uma série de
políticos e lobistas com quem
se vai aliando em sua escalada.
É inegável o talento e a maturidade que o ator revela para
dar conta dessa demanda do
dramaturgo. Poucos atores de
sua geração conseguiriam encará-la. Mas, no fim, fica-se
com a impressão que toda essa
potencialidade está ali sendo
desperdiçada e que Pâmio e a
realidade brasileira mereciam
um texto mais denso.
Ao optar por um catálogo de
fatos marcantes de nossa história recente como pano de fundo
da saga de seu personagem,
Otávio Martins o condenou à ligeireza e à leveza de uma piada
de salão. O que poderia ter sido
o espelhamento cruel da miséria moral brasileira vira, de fato, um passatempo a colaborar
que nos distraiamos dela.
MEDIANO
Quando: sáb., às 19h e às 21h; dom., às
18h e às 20h; até 6/6
Onde: Viga Espaço Cênico (r. Capote
Valente, 1.323, tel. 3801-1843)
Quanto: R$ 30
Classificação: 14 anos
Avaliação: regular
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