São Paulo, sábado, 24 de junho de 2006

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Crítica/Alban Berg

Quarteto faz a música viver de novo

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Entre Mozart e Mozart (1756-91): sempre um ótimo lugar, mesmo se não o mais óbvio para Béla Bartók (1881-1945). Mas quem tocava era o Quarteto Alban Berg, renomado por muitas virtudes, entre elas a capacidade de organizar programas incomuns. Há três anos, eles tocaram o contemporâneo Schnittke entre o iluminista Mozart e o romântico Smetana. Agora foi a vez do modernista húngaro servir de recheio para dois quartetos do gênio de Salzburgo, no contexto mutuamente esclarecedor do concerto de anteontem, no Cultura Artística.
Três anos atrás, o quarteto veio com a formação original, de 1971. O agravamento das condições de saúde do violista Thomas Kakuska levaram, por sugestão do próprio -um ano antes de sua morte em 2005-, à entrada no conjunto de uma aluna sua no Conservatório de Viena, a alemã Isabel Charisius (com quem o quarteto já tinha tocado os quintetos para cordas de Mozart).
Ex-violista da Filarmônica de Munique, ela assume hoje o lugar de Kakuska no mesmo espírito de uma expressividade ao mesmo tempo natural e arrojada, sem medo, com gana de música.
É bem o espírito do quarteto, que toca com arrojo e naturalidade peças do repertório tradicional e não tem medo de obras de compositores modernos e contemporâneos, como Berio, Lutoslawski e Rihm, sem falar no já citado Schnittke e incluindo ainda nomes como o argentino Piazzolla, autor das "Tango Sensations", e o austríaco Kurt Schwertsik, autor de "Adieu Satie" (ambas recém-gravadas por eles, ao vivo, com o bandoneonista Per Arne Glorvigen).
Essa exposição constante ao repertório atual decerto influencia o modo como eles lêem, por exemplo, Mozart.
Não se trata de forçar texturas aberratórias ou andamentos inusuais; mas sim de uma contaminação de sentidos, que a música de um século joga sobre a de outro, nos termos do outro.
E vice-versa, claro: mas a essa altura o Mozart que sombreia Bartók -nas incríveis passagens de acordes com surdina do "Quarteto nš 2", por exemplo- já é um compositor diferente também, reinterpretado no que tem de mais aventuroso e rigoroso -como as passagens contrapuntísticas do último movimento do "Quarteto em Sol Maior, K. 387", ou as harmonias iniciais do "Quarteto K. 465 (Dissonâncias)".
Diz um velho clichê que um quarteto deve soar como uma pessoa só. Não é o caso com o Alban Berg: são quatro grandes músicos, sempre quatro grandes músicos, tocando sempre juntos, o que é outra coisa. Estimulados pela alegria visível da violista, eles tocam música nova a cada compasso. A música vive de novo, e nós com ela.


ALBAN BERG     

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