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Crítica/Alban Berg
Quarteto faz a música viver de novo
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Entre Mozart e Mozart
(1756-91): sempre um
ótimo lugar, mesmo se
não o mais óbvio para Béla Bartók (1881-1945). Mas quem tocava era o Quarteto Alban Berg,
renomado por muitas virtudes,
entre elas a capacidade de organizar programas incomuns. Há
três anos, eles tocaram o contemporâneo Schnittke entre o
iluminista Mozart e o romântico Smetana. Agora foi a vez do
modernista húngaro servir de
recheio para dois quartetos do
gênio de Salzburgo, no contexto mutuamente esclarecedor
do concerto de anteontem, no
Cultura Artística.
Três anos atrás, o quarteto
veio com a formação original,
de 1971. O agravamento das
condições de saúde do violista
Thomas Kakuska levaram, por
sugestão do próprio -um ano
antes de sua morte em 2005-,
à entrada no conjunto de uma
aluna sua no Conservatório de
Viena, a alemã Isabel Charisius
(com quem o quarteto já tinha
tocado os quintetos para cordas
de Mozart).
Ex-violista da Filarmônica
de Munique, ela assume hoje o
lugar de Kakuska no mesmo espírito de uma expressividade
ao mesmo tempo natural e arrojada, sem medo, com gana de
música.
É bem o espírito do quarteto,
que toca com arrojo e naturalidade peças do repertório tradicional e não tem medo de obras
de compositores modernos e
contemporâneos, como Berio,
Lutoslawski e Rihm, sem falar
no já citado Schnittke e incluindo ainda nomes como o argentino Piazzolla, autor das "Tango Sensations", e o austríaco
Kurt Schwertsik, autor de
"Adieu Satie" (ambas recém-gravadas por eles, ao vivo, com
o bandoneonista Per Arne
Glorvigen).
Essa exposição constante ao
repertório atual decerto influencia o modo como eles
lêem, por exemplo, Mozart.
Não se trata de forçar texturas
aberratórias ou andamentos
inusuais; mas sim de uma contaminação de sentidos, que a
música de um século joga sobre
a de outro, nos termos do outro.
E vice-versa, claro: mas a essa
altura o Mozart que sombreia
Bartók -nas incríveis passagens de acordes com surdina do
"Quarteto nš 2", por exemplo-
já é um compositor diferente
também, reinterpretado no
que tem de mais aventuroso e
rigoroso -como as passagens
contrapuntísticas do último
movimento do "Quarteto em
Sol Maior, K. 387", ou as harmonias iniciais do "Quarteto K.
465 (Dissonâncias)".
Diz um velho clichê que um
quarteto deve soar como uma
pessoa só. Não é o caso com o
Alban Berg: são quatro grandes
músicos, sempre quatro grandes músicos, tocando sempre
juntos, o que é outra coisa. Estimulados pela alegria visível da
violista, eles tocam música nova a cada compasso. A música
vive de novo, e nós com ela.
ALBAN BERG
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