São Paulo, domingo, 24 de junho de 2007 |
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Crítica/teatro/"Às Favas com os Escrúpulos" Juca de Oliveira une clichês e bravatas Autor usa fórmula do vaudeville com personagens caricatos, direção de Jô Soares é amadorística, mas Bibi Ferreira vale a pena
SÉRGIO SALVIA COELHO CRÍTICO DA FOLHA Juca de Oliveira não tem o menor escrúpulo de dar a seu público fiel exatamente aquilo que é esperado dele. Seguindo à risca uma fórmula rentável há décadas, recicla sem cansar centenários golpes de cena do vaudeville. Neste "Às Favas com os Escrúpulos", um documento extraviado denuncia o marido infiel, como em "Motel Paradiso", e a esposa se vinga como em "Caixa Dois" desviando o dinheiro que o marido ganhou em corrupção política, fonte de renda também dos protagonistas de "Meno Male" e "A Flor do Meu Bem Querer". Sem nenhuma ousadia formal, seu questionamento político se limita a bravatas de bar, com cacos reatualizados a cada semana que ganham a simpatia imediata do público. Na última semana, por exemplo, o "relaxa e goza" da ministra do Turismo, Marta Suplicy, teve uma boa saída, assim como farpas mordazes a Renan Calheiros, tratado por "eminente pecuarista". Ao mesmo tempo, a moral subjacente é conservadora: na "Babá", a mulher que trabalha fora induz o marido a traí-la com a empregada nordestina, uma resposta ao "Casa de Bonecas", de Ibsen, com algum atraso, infelizmente. Assim, ao mesmo tempo em que canaliza a indignação da classe média contra a facilidade para a corrupção na política, desculpa os eventuais adúlteros e corruptos da platéia, já que o protagonista se justifica várias vezes ao se afirmar revigorado com a traição, e é a sua mulher, até então bastião da virtude traída, que pronuncia a frase-título, que sendo a última soa como um sarcástico endosso ao salve-se quem puder. Amadorismo Caricaturais ao extremo, os personagens desautorizam qualquer aprofundamento do tema -o que é pena, dado a sua eterna presença nos noticiários. Peça de entra-e-sai e de telefonemas, acentua a inexperiência da direção de Jô Soares até o amadorismo, ao multiplicar blecautes inúteis e vinhetas musicais decorativas. Não tem o menor escrúpulo também em querer preservar a verossimilhança além da unidade de espaço e de tema. No segundo ponto de virada, para manter uma terminologia americana cara a Juca, o assassino ergue a arma e cai, fulminado por um ataque cardíaco -o que merece ser o exemplo de "inverossímil" em qualquer manual de dramaturgia. Por outro lado, a montagem deixa à vontade os atores. Neusa Maria Faro faz uma empregada como se vê nas novelas, simpática e patética. Daniel Warren faz um adolescente de comercial, ao qual não falta nem o boné virado para trás. Adriane Galisteu faz a amante exatamente como se espera dela, se divertindo inteligentemente com o estereótipo que criou para si. Juca de Oliveira é, como sempre, o canalha adorável, a quem tudo se perdoa. Vale a pena ir ao teatro para ver Bibi Ferreira? Sim. Mostrando que é filha do grande Procópio, que tinha sempre na manga pelo menos três maneiras de fazer um bêbado, apóia-se na mediocridade do texto para criar marcas impagáveis. Na sua boca, até um palavrão soa como um acontecimento. Dada a sua grande forma, seria tentador esperar que exigisse de si mesma maiores desafios. Deveria se esperar o mesmo de Juca de Oliveira? Não. Cabe-lhe o destino de Eugène Scribe (1791-1861), o ancestral do vaudeville, o mais ilustre dramaturgo na França enquanto viveu -e esquecido logo depois. ÀS FAVAS COM OS ESCRÚPULOS Quando: qui. e sex., às 21h30; sáb., às 21h; dom., às 18h. Até 26/8 Onde: Teatro Raul Cortez (r. Dr. Plínio Barreto, 285, tel. 3188-4141) Quanto: R$ 80 Avaliação: ruim Próximo Texto: O espetáculo Índice |
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