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CRÍTICA
Milton redime o crooner Bituca
FERNANDO DE BARROS E SILVA
da Reportagem Local
Talvez fosse preciso levar a sério a fantasia do crooner Milton
Nascimento para poder começar a falar de "Crooner", o show
de Milton Nascimento que estreou anteontem no Palace.
É o que o próprio Milton faz o
tempo inteiro: fingir que é Bituca, o desajeitado cantor da noite
que começou animando bailes
no interior de Minas com 14
anos de idade. Não é fácil acompanhá-lo. Custa entender o espírito do jogo, participar da
brincadeira, porque o resultado
é musicalmente muito ruim,
quando não constrangedor.
Devemos de fato simular que
estamos participando de um
bailinho de debutantes num recanto qualquer do Brasil provinciano de 40 anos atrás? Devemos ignorar que o "crooner"
tem mais de 30 discos nas costas, um lugar de destaque e um
papel histórico dentro da MPB?
Podemos esquecer do "Milagre
dos Peixes" (73), dos dois "Clube da Esquina" (72 e 78), de
"Minas" (75), de "Geraes" (76),
da obra-prima pouco citada que
também é "Sentinela" (80), do
próprio "Nascimento" (97)?
Mas é esse o preço, involuntariamente amargo, que Milton
nos cobra para participar de seu
baile da saudade semi-amadorístico, extemporâneo.
"Crooner" é, sim, um disco
menor, minúsculo se posto em
confronto com a obra de Milton, a despeito das razões pessoais, afetivas, que o levaram a
gravá-lo. E o show, muito grudado à proposta do CD, não poderia ser diferente.
Não que as pessoas não se empolguem. O público atende ao
chamado do cantor, participa
do bailinho. Mas a vocação do
público é sempre a de aderir aos
ídolos. Visto, porém, com meio
palmo de distância, é melancólico acompanhar a evolução de
casais que se acotovelam ao som
de "Only You" numa pista menor do que deveria ser, enquanto o restante da platéia permanece encaixotada num ambiente em que há mesas demais para
espaço de menos. A classe média está espremida também no
Palace. Sinal dos tempos.
O tempo de Milton, porém, é
outro. É um tempo dourado, de
boleros e guarânias, em que o
virtuosismo vocal americanizado e ingenuamente lírico dos
Cariocas fazia sentido, em que o
flautista Bebeto, do Tamba Trio,
representava uma novidade e
um estilo, um tempo musicalmente pré-moderno, em que a
bossa nova ainda não havia sido
educada na lâmina afiada e seca
de João Gilberto.
Convidados de Milton, os músicos pareciam pouco à vontade
à frente do cenário que imita um
salão e ao lado de uma banda
barulhenta, chamada de orquestra, que atua à moda antiga.
Quando o baile chega ao fim e
Milton volta para o bis, como
que se redime. "Quem estava
cantando aqui era o Bituca. Pedi
a ele para deixar o Milton cantar
uma ou duas músicas e ele deixou." Vem "Paula e Bebeto" e, a
seguir, "Nos Bailes da Vida",
que, apesar de óbvia àquela altura, tem ainda assim força para
emocionar e justificar a intenção generosa do crooner. Vale
por tudo que seu baile não é.
Avaliação:
Show: Crooner
Onde: Palace (av. dos Jamaris, 213, tel.
5051-4900)
Quando: qui., às 21h30; sex. e sáb., às
22h; e dom., às 20h
Quanto: de R$ 30 a R$ 65
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