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ARTES PLÁSTICAS
Exposição da artista plástica, na galeria Brito Cimino, demonstra interesse analítico pelas convenções
Regina Silveira e as sombras que querem ser luz
TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA
Há muito tempo, Regina Silveira imprime elementos
gráficos nos mais variados objetos. Marcava, com esses sinais,
elipses e silêncio, que mantínhamos recalcados em nosso dia-a-dia.
A peça mais importante de sua
exposição em cartaz na galeria
Brito Cimino trata da conjugação
de uma linguagem mais escultórica com a faceta mais rica de sua
produção gráfica: a projeção de
sombras. Aparece a nós como o
último episódio, por ora, de uma
produção significativa. A mostra
parece dar conta de várias dimensões dessa produção em que a
sombra nunca quis tanto ser luz.
Em trabalhos mais simples, a
artista projeta signos da violência
e da dominação em louças. Como
silhuetas, esses corpos estranhos
aderem às superfícies. Desse modo, Regina Silveira associa, de maneira decidida, os instrumentos
da civilização e do decoro a objetos relacionados à violência, à repressão e à dominação.
Há um espírito de 68 nessa associação. Uma condenação, mais
moral do que política, em que a
artista identifica a repressão nos
instrumentos de decoro e civilização, condenando a repressão ocidental dos modos como produtora de barbárie, sobretudo num
país de alta violência social.
Essa dimensão crítica mais pronunciada, ganha, em outros trabalhos, abrangência e complexidade. Passa a investigar os esquemas perceptivos que, culturalmente, dariam sentido às coisas.
A artista demonstra interesse
analítico pelas convenções. Constrói cantos de azulejo, onde projeta silhuetas distorcidas e perspectivadas de cadeiras, como se
aquele rastro denotasse um uso
social do espaço restritivo e limitador. Essas atribuições a priori
poluiriam os modos de olhar, de
perceber e de significar as coisas.
Em sua instalação mais recente,
a artista retoma ironicamente o
engessamento dos esquemas perceptivos. Transporta para o espaço comum as mais elementares
formas da geometria espacial: o
cubo, o cone, a esfera e o cilindro.
Agigantadas, elas se materializam
brancas no espaço da galeria. Bem
acabadas, parecem reivindicar
sua pureza ideal e uma espacialidade neutra, apartada.
Entretanto, em contraste binário com o que existe de tentativa
de neutralização das formas, ela
carrega nas tintas, e, por trás das
formas brancas (tão brancas
quanto a galeria e o espaço expositivo moderno), projeta sombras
negras, que vão ganhando o entorno da peça e outros elementos
arquitetônicos do prédio, como a
escada.
As sombras, porém, deixam de
ser rastros e vestígios. Tornam-se
mais carregadas, mostrando-se
como presença física. Olhando de
cima, é possível reverter o processo e entender as formas brancas
como emanação da mancha preta, como se se desprendessem daquele negrume.
De forma ambígua, as interferências ressaltam tudo o que uma
espacialidade estritamente idealizada da perspectiva recusa. Entram aí e são reforçadas as sombras, a estatura física dos elementos, a interpenetração de uma forma na outra e os vínculos entre os
volumes e o espaço.
Aí, a artista retorna ao modelo
anticonvencional de trabalhos
anteriores, agora de modo distinto e mais sensível. No entanto a perspectiva renascentista -ao elaborar idealmente
uma espacialidade análoga,
mas distinta do real- parece
pintar, procurando uma espécie de harmonização que indicaria um mundo melhor, diferente.
No trabalho de Regina Silveira, embora ele guarde uma alta
dose de nonsense surrealista
-a sombra parece mais palpável do que o próprio corpo
dos volumes- esse horizonte
desapareceu como possibilidade. Toda tentativa de projetar um espaço além do espaço
físico transforma a abertura do
espaço numa vertigem da legitimação da arte.
Talvez fosse exagerado imputar tal exclusivismo ao trabalho. Mas aqui, por desilusão
ou conformismo, a obra de arte acaba reiterando, ainda que
criticamente, as engessadas
concepções espaciais e culturais que limitariam nossa ação.
A arte resigna-se, abre mão
da constituição do novo.
Anuncia a prosa empobrecida
do passado. O mundo aparece
acinzentado entre a suposta
neutralidade do branco e as
marcas de fagocitação do preto. Talvez seja a cor de algo que
perdeu o interesse, de um gesto que não pode mais se desinibir.
Regina Silveira
Onde: galeria Brito Cimino (r. Gomes
de Carvalho, 842, tel. 3842-0634)
Quando: de ter. a sáb., das 11h às
19h; até 28/9
Quanto: entrada franca
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