São Paulo, domingo, 24 de novembro de 2002

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CLARO EXPLÍCITO

Instalação de Bia Lessa no Itaú Cultural explicita a violência do cotidiano com labirintos de jornais

Exposição dá vontade de tomar banho

GILBERTO DIMENSTEIN
COLUNISTA DA FOLHA

Preferi ver a exposição "Claro Explícito", de Bia Lessa, pelos olhos de um grupo de crianças, estudantes da quarta série de uma escola pública de São Bernardo (Ramiro Gonçalez Fernandes) -até porque, devo confessar ao leitor, meus conhecimentos sobre artes plásticas fazem-me tão habilitado a ser crítico de arte quanto comentarista de futebol.
Convidaram-me para escrever este artigo na suposição de que, depois de tantos anos investigando a violência, tivesse desenvolvido algum tipo de estética gerada pela ética (ou falta de) da exclusão. Não desenvolvi, mas aprendi que a arte presta-se como espelho e janela dos espíritos sitiados, ao acompanhar experiências de arte-educação com populações, especialmente crianças e adolescentes, marginalizadas.
Eram 15 meninos e meninas sentados no chão, cercados de centenas de milhares de notas falsas, protegidas pelo vidro; a poucos metros dali, baratas vivas, devidamente enjauladas no chão, zanzavam nervosamente. O monitor fazia, pelas perguntas, provocações, queria medir até onde as sensações transmitidas pela exposição transformavam-se em entendimento. Eram alunos excitados não pela dispersão de uma sala de aula, mas pela angústia de sentir, compreender e, ao mesmo tempo, não compreender. É a verdadeira experiência educativa.
Pela clareza das respostas e de outras perguntas feitas pelos estudantes, via-se como a violência do cotidiano, simbolizada nas baratas, nas cartas de crianças penduradas nas paredes, nos labirintos criados com pilhas de jornais, nas montanha de dinheiro, estava tão clara, tão explícita.
A vontade de decodificar os símbolos era a vontade de decodificar a angústia que aqueles seres trouxeram da rua e da casa. Tudo tão óbvio, tão claro, tão explícito, que, para o espectador, precisa ser tão urgentemente decodificado, como se fosse necessário extrair, ali mesmo, a realidade.
A violência não é a violência apenas da porrada, mas da insegurança de se sentir desafiado, perdido em tantos labirintos ao mesmo tempo; labirintos feitos, inclusive, na notícia, hoje tão abundante, é capaz mais de tirar do rumo do que elucidar. A exposição (ou seja qual for o nome que se dê para isso, afinal mais parecia um palco de teatro) é o labirinto da violência das ruas que nos faz enxergar, como enxergaram aquelas crianças, os nossos próprios labirintos, essa sensação de não ter saída, como se a qualquer momento fôssemos atacados.
É um excelente programa para quem deseja sentir a versão estética da angústia da violência -e visita obrigatória para as escolas que desejam ensinar a seus estudantes o que o cotidiano da violência das cidades molda nossa percepção de outros e de nós mesmos.

Claro Explícito



    
Onde: Itaú Cultural (av. Paulista, 149, tel. 3268-1700)
Quando: de ter. a sex.: das 10h às 21h. Sáb. e dom.: das 10h às 19h. Até 16 de fevereiro
Quanto: grátis



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