São Paulo, quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

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Crítica/ "Pachamama"

Documentário é "Avatar" realista sobre América Latina

Longa investiga tradições e tendências da região entre os Andes e a Amazônia

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

A palavra "Pachamama", título do novo documentário de Eryk Rocha, significa, numa mistura das línguas quíchua e aimará com o castelhano, "mãe terra". É em busca dessa terra ancestral, de uma América profunda situada entre os Andes e a Amazônia, que o filho de Glauber Rocha se lança com sua pequena equipe, em dois jipes saídos do Rio no início de 2007. Seu destino é a região da tríplice fronteira entre o Brasil, o Peru e a Bolívia. Mas o que move a câmera curiosa e inquieta do diretor não é um interesse etnográfico ou passadista, mas a descoberta das forças vivas em ação hoje, vistas como resultado de cinco séculos de confluências e conflitos entre os povos que ocuparam a região. Embora a própria voz do diretor narre a saga em primeira pessoa, e a equipe de filmagem seja ocasionalmente interpelada pelos retratados, "Pachamama" foge do narcisismo e da metalinguagem. Seu traço básico é a porosidade, a permeabilidade ao ambiente natural e humano em que se aprofunda. Pontuam a narrativa imagens de paisagem em movimento (como mato na contraluz, cintilações do sol num lago, chuva no vidro do carro), que tendem para um grafismo não figurativo que já é uma marca de estilo do diretor. Com o mesmo cuidado, a câmera perscruta índias peruanas tecendo mantas e o acirrado debate durante uma reunião de ativistas; um discurso de Evo Morales em defesa da produção cocaleira e a algaravia numa feira de rua em Cuzco; as tradições milenares e as tendências atuais. Os discursos se inflamam, se chocam. Há os que defendem a volta a um passado mítico pré-colombiano, há os que pregam uma modernização capitalista. O filme dá voz a todos, expondo fraturas sociais e contradições políticas, traduzidas aqui e ali em confrontos violentos. Essa polifonia, essa abertura ao que é, não exclui o esboço de uma perspectiva sobre o que poderia ser: um continente multicultural que respeitasse a natureza e a história de seus povos. Em suma, uma espécie de "Avatar" adulto e realista.


PACHAMAMA

Direção: Eryk Rocha
Produção: Brasil, 2008
Onde: estreia amanhã, no Cine Bombril, Espaço Unibanco e Unibanco Arteplex
Classificação: livre
Avaliação: bom


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