São Paulo, sábado, 25 de novembro de 2000

Próximo Texto | Índice

ARTE
Performance reúne mulheres em dia contra a violência doméstica
150 "noivas" despetalam buquês na Paulista

Adriana Zehbrauskas/Folha Imagem
Mulheres ensaiam para evento que será hoje na avenida Paulista


CASSIANO ELEK MACHADO
JULIANA MONACHESI
DA REPORTAGEM LOCAL

Atenção: isto não é um casamento. Não vai haver marcha nupcial nem noivo. Só 150 vestidos de noiva andando junto com o mesmo número de mulheres pela avenida Paulista.
Trata-se de uma performance que Beth Moysés concebeu para a tarde deste sábado. "É como uma passeata de formigas brancas", brinca a artista. "Sabe quando você coloca o dedo na frente da fila de formigas e elas embolam? Vamos fazer isso a cada farol."
A opção de parar nos faróis foi tomada para não infringir nenhuma lei, reforçando o caráter pacifista da performance, que acontece no Dia Internacional da Não Violência Contra a Mulher. Cada uma vai carregar um buquê de rosas, que irá despetalando em silêncio, deixando um rastro de pétalas brancas na avenida.
"O vestido de noiva é um símbolo da fantasia, do sonho da mulher", afirma Beth Moysés, que utiliza a roupa há anos como suporte de seus trabalhos. Começou como uma alternativa simbólica à lona: a artista esticava o tecido no chassi e o pintava.
Em novembro de 1996, Beth Moysés realizou uma instalação na Capela do Morumbi com 25 vestidos de noiva, que ela entrelaçou e dispôs no teto do local. "Ali, eles simbolizavam o sonho inalcançável da mulher. E, devido à gravidade, os vestidos ficavam inflados, parecendo nuvens."
Na exposição seguinte da artista, na galeria Thomas Cohn em 1998, os vestidos voltaram, mas desta vez forrando o chão. As pessoas podiam andar descalças sobre a instalação, sentido as pérolas sob os pés. "No chão, os vestidos perderam o brilho e murcharam, remetendo à realidade, não mais ao sonho", afirma.
Com a performance na Paulista, na qual a artista vem trabalhando há dois anos, sua poética ganha um novo rumo: "Esses corpos agora se recuperam, criam vida, saem em busca de mudança". A escolha do local não foi aleatória. "Essa avenida com tamanha concentração financeira é o cenário ideal para repensar o afeto."
Beth Moysés insiste no caráter artístico do ato. "Uma passeata teria conotação meramente política, e a intenção é fazer algo poético." Os vestidos são todos "desativados", como a artista os chama. "Todos têm memória de muitos casamentos", pois foram coletados em lojas de aluguel da rua São Caetano. Alguns, inclusive, estavam na instalação de 1996.
As mulheres partem da rua da Consolação com a avenida Paulista às 16h e caminham até a praça Oswaldo Cruz, em frente ao shopping Paulista, um dos patrocinadores do evento, que recuperou o canteiro da praça.
Nesse canteiro, foi cavado um buraco para os resíduos dos buquês serem depositados ao final da performance. "Os espinhos, que são o que vai sobrar das rosas, serão jogados no canteiro e enterrados", explica a artista.
Das 150 mulheres que foram recrutadas junto a organizações não-governamentais ligadas à questão da mulher, muitas foram vítimas de violência doméstica ou conviveram em um lar violento.


Próximo Texto: Teatro: Ágora monta "Tio Vânia" fiel ao tempo de Tchecov
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.