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São Paulo, quarta-feira, 26 de fevereiro de 2003

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MÚSICA

Orquestra Jazz Sinfônica toca 18 "Prelúdios" de Debussy em versão do maestro Rogério Duprat, gravada ao vivo

Virtudes e frustrações de um orquestrador

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

Orquestrar Debussy: um arrojo, um acinte, uma barbaridade. Um bom começo, de qualquer modo; ainda mais quando o orquestrador é Rogério Duprat -são Rogério Milagreiro, de "Domingo no Parque" e outros prodígios tropicalistas. Grande idéia da Orquestra Jazz Sinfônica, então, de apresentar os "Prelúdios" de Debussy (1862-1918) na versão sinfônica do compositor carioca, anteontem no Memorial.
Era de se esperar reco-reco, rabeca, sanfona. Mas a orquestração de Duprat não tem nada de tropicalismos. Virtudes e frustrações da partitura têm de ser ouvidos no contexto que ela mesma impõe, explicitamente convencional. Onde se espera flauta ("La Fille aux Cheveux de Lin"), vem a flauta; onde se esperam sinos ("La Cathédrale Engloutie"), vêm os sinos.
A dificuldade da empreitada não é pequena, já que os "Prelúdios" foram compostos com base na sonoridade do piano; não são melodias e harmonias que se poderiam tocar em qualquer instrumento, mas sons bem específicos.
Isso implica, por exemplo, reconhecer o papel da ressonância na articulação da música - que muda muito quando se passa do piano à orquestra. Foi o ponto mais frágil na interpretação da Jazz Sinfônica, regida por João Maurício Galindo. A Orquestra tocou as notas melhor do que os silêncios.
Curiosamente, os "Prelúdios" para orquestra soaram bem mais homogêneos do que no piano. Talvez a música ainda não estivesse madura a ponto de ser gravada ao vivo. Talvez fosse o desconforto de tocar cercado de microfones e câmeras. Talvez fosse o artificialismo da apresentação, em formato "simpático", de show. O fato é que os "Prelúdios", assim, correm o risco de virar uma coleção de peças pitorescas, bibelôs do pré-modernismo.
Falando em pitoresco: menção especial ao pirata do corne inglês, de lenço vermelho na cabeça (homenagem a "La Mer"?). Antipitoresco: o uso mínimo de percussão. Estranho: ataque fortíssimo do trompete com o tema da "Marselhesa", em "Feux d'Artifices" (indicado "bem de longe", na partitura original, o que muda todo o sentido).
Foram ao todo 18 "Prelúdios", 9 de cada livro. Não são muito mais do que um exercício delicado do maestro Duprat -o que, aliás, justifica qualquer concerto. Só ficou faltando mesmo o "Dimanche Dans le Parc", que Debussy esqueceu de compor, e Duprat, quem sabe, agora, não escreve para ele.


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