São Paulo, quarta-feira, 26 de maio de 2010

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CRÍTICA MUSICAL

"Nara" mantém sintonia com estilo calmo da cantora

Espetáculo, com encenação eficaz da atriz Fernanda Couto, evita lances exaltados comuns aos musicais

Lenise Pinheiro/Folhapress
Rodrigo Sanches e Fernanda Couto em cena do espetáculo sobre a cantora Nara Leão

LUIZ FERNANDO RAMOS
CRÍTICO DA FOLHA

Na mitologia grega, as musas são filhas da memória e seus cantos revelam o mundo. No espetáculo "Nara", a musa da bossa nova é evocada sem nenhuma pretensão além daquela que anima qualquer cantora: fazer-se ouvir.
A artífice desse singelo prodígio, de resgatar em tom menor vida e obra da extraordinária artista que foi Nara Leão (1942-1989), é a atriz Fernanda Couto. Imbuída da missão de contar uma história esquecida, ela protagoniza uma encenação modesta, mas totalmente eficaz em seus objetivos.
Em tempos de grandes e ambiciosos musicais, o projeto de Couto propõe um musical de bolso, com pouquíssimos recursos cênicos e estrutura simplificada, próximo de um show de boate.
A inspiração é a fórmula que gerou, nos anos 1960, nosso mais influente produto cultural do século passado: um banquinho, violão, piano, bateria e algumas vozes afinadas cantando suavemente. Perfeita para traçar a trajetória desta moça brasileira tão ímpar.
Nara esteve no epicentro da revolução musical deflagrada no fim dos anos 1950 por João Gilberto. O que ressalta em sua biografia é seu desprendimento sistemático com os êxitos que foi obtendo e a sua capacidade de ir adiante.
Caminhou além da bossa nova para o samba de morro e à politização, indo em seguida compactuar com a Tropicália e com a Jovem Guarda, sem nunca se acomodar em consensos. Nos anos 1980, ainda, foi pioneira ao ser uma das primeiras vozes a difundir a música brasileira no Japão.

DIMENSÃO SUTIL
Fernanda Couto e o diretor Márcio Araújo, autores do roteiro e dos textos, resistiram à tentação de transformar essa saga ímpar em uma montagem grandiosa.
Em sintonia com o estilo calmo e suave da cantora que querem homenagear, evitam lances exaltados, tão comuns no gênero dos musicais, e tecem uma sensível e pungente paleta de emoções.
Seu maior acerto foi não pretender criar externamente uma cópia perfeita de Nara. A opção, sustentada pelo talento de Couto, foi a de captar uma dimensão mais sutil da personagem, caracterizada por uma energia branda.

NOVA VOZ
Quando a atriz canta, não imita a cantora, até porque seu timbre de voz é mais intenso. Por isso mesmo, cada canção entoada não remete às gravações consagradas, mas revela uma interpretação pessoal e dá às conhecidíssimas letras do repertório abordado um novo sabor.
Compondo a equação desse sucesso estão os arranjos sintéticos e sem arroubos de Pedro Paulo Bogossian e a participação de três músicos competentes, Rodrigo Sanches, Rogério Romera e Sílvio Venosa.
Nenhum deles se excede como ator e, por vezes, não parecem muito à vontade contracenando, mas também não comprometem o desempenho da parceira. Em "Nara", recordar rima com desvelar e a musa canta silêncios insuspeitos.


NARA

ONDE teatro Augusta, r. Augusta, 943, tel. 3151-4141
QUANDO qua. e qui., às 21h
QUANTO R$ 30
CLASSIFICAÇÃO livre
AVALIAÇÃO bom




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