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CRÍTICA
Mezzosoprano americana esbanja confiança em programa que tem Rossini, Mozart, Debussy, Fauré e Gonoud
A sustentável leveza de Jennifer Larmore
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
Ela teria feito as delícias do
professor Allan Bloom. Eternizado pelo romancista Saul Bellow, em seu romance "Ravelstein", o filósofo Bloom (1930-1992) é nosso grande professor de
Rossini; e pode-se imaginar como
não teria reagido às árias do italiano, cantadas com pragmatismo e
malícia, ao mesmo tempo, por
Jennifer Larmore, em seu concerto de quinta-feira, no teatro Cultura Artística.
Gioacchino Rossini (1792-1868)
deixou para a eternidade um filé,
que por si só já nos faria grandes
devedores das artes do compositor. É um prato, como se diz,
"consistente" -bem diverso das
delícias da música, que adota a
graça e a inconsistência como estilo do espírito.
A mezzosoprano não é menos
consistente e não menos contente
nas carnes da música e de si.
Quem abriria um concerto com
"Eccomi alfine in Babilonia" (da
ópera "Semiramide")? E cantando desse jeito? Confiança total, a
voz se aquecendo de baixo para
cima, mas como se já estivesse
noutro mundo, que a gente tem
agora o privilégio de espreitar.
Nesse outro mundo, a música
sonha com Mozart, de quem ela
também cantou o rondó "Non temer, amato bene". Acompanhando a diva, o pianista Antoine Palloc fez da discrição sua maior virtude; mas uma discrição nada
neutra, deixando escapar acentos
de entendimento e cumplicidade.
Agora o lado menos entusiástico da resenha. Programa careta: o
velho modelo, uma seleção de peças destinadas, acima de tudo, a
apresentar as virtudes da "cantatrice", exibindo-se em vários estilos, de várias épocas e em várias
línguas. Assim, a segunda parte
abriu com Debussy, Fauré e Gounod e continuou com Montsalvage e Victor Herbert. Tudo muito
bem feito, mas, nesse contexto,
sem maior sentido para além do
espetáculo. (Que já é o sentido
maior!, diria o professor Bloom.)
Um amigo meio chato reclamava, no intervalo, que o programa
trouxe apenas os textos originais
das canções, sem tradução. Pode
ser meio chato, mas aqui estava
certo inteiro. Ou será que toda a
platéia fala fluentemente italiano,
francês, espanhol e inglês? Ou será que as letras não têm relevância? Podem ser meio absurdas,
continuava ele, mas a transformação do absurdo em verdade... pelas artes do canto... -não é disso
que se trata, afinal?
Miss Larmore não se perturbou.
Não é dada à metafísica. Nem ao
teatro, insistia o chato, incomodado com a mímica de musical.
Deixa para lá. Numa noite dessas, ninguém tem o direito de ser
chato. Foi um concerto brilhante,
simpático, honesto, leve, alegre.
Com momentos de beleza francesa. E o que teve de bobo a gente
desconta logo, com facilidade. Essa cantora e essa música têm crédito de sobra com todos os homens de boa vontade.
Jennifer Larmore
Programa: Rossini, Mozart e outros
Onde: teatro Cultura Artística (r. Nestor
Pestana, 196, tel. 3256 0223).
Quando: hoje e qua., às 21h.
Quanto: de R$ 90 a R$ 180.
Patrocinadores: Bovespa, Votorantim e
Telefonica
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