UOL


São Paulo, terça-feira, 26 de agosto de 2003

Índice

MOSTRA SESC DE ARTES - LATINIDADES

Até 31/8, 18 grupos de dança, de dez países diferentes, se apresentam em SP

Muitas diferenças que nem sempre fazem a diferença

Divulgação
Coreografia apresentada pelo grupo Koffi Kôkô na Mostra Sesc de Artes - Latinidades


INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

"Latinidades ", no sentido estrito: diz respeito aos habitantes do Lácio (os antigos romanos) ou os que foram influenciados por sua civilização. Só na dança são 18 companhias, de Cabo Verde, França, Brasil, Suíça, Argentina, Venezuela, Colômbia, Espanha, Uruguai e Benin.
Até domingo passado, apresentaram-se cinco grupos internacionais: Koffi Kôkô, Raiz de Polon, Cie. à Fleur de Peau, Cia. Buissonnière e Danza Hoy.
Em "Ça" (Isso), Koffi Kôkô (da França e Benin) busca sua força no universo místico de um oráculo africano. Sempre um terreno de risco; o sentido ritualístico escapa da dança. A movimentação é plástica, mas, para os de pouca mística, não parece um tanto gratuita?
Raiz de Polon (Cabo Verde) apresentou "Duas Sem Três". Inspirado num texto de Mário Lúcio Souza, o espetáculo utiliza canto, palavra e corpo para falar da vida dura de todo dia. Em cena, baldes, vassouras e galhos, trabalhados com iluminação rica. De uma fala sobre musas, cujos nomes "ninguém nunca lembrou", a dança avança até a grande cena de duas intérpretes-criadoras (Bety Fernandes e Rosy Timas) enrolando-se num gigantesco véu e repetindo interminavelmente "comigo não casaram". Dureza e pureza.
A Cia. À Fleur de Peau (Brasil e França), bem conhecida por aqui, trouxe "Um Ange Passe-Passe ou Entre Les Lignes Il y a Un Monde". Tudo branco: figurinos, tapete, mesa, tela ao fundo. Só há cor nos objetos -e no movimento. Comunicação e silêncio na vida de um casal, com gestos precisos e expressivos. Poesia madura de uma dupla em grande forma.
Do coreógrafo Cisco Aznar, a Cia. Buissonnière (Suíça e Espanha) dançou "Lola La Loca", que joga em cena o imaginário surreal, do grotesco ao trágico, sempre verborragicamente. Preconceitos e hábitos postos em xeque: qual nossa relação com a morte, com o sexo, com a vida? O que representa cada figurino que portamos? Lola é uma mulher-cabra; transita entre o palco e a tela ao fundo, como entre o real e o sonho, articulando relações com diversos estereótipos latinos. A própria dança é a caricatura de si mesma -o que, no caso, acaba sendo um limite, não uma virtude.
Da Venezuela, a Companhia Danzahoy ("Dança-hoje") trabalha com a linguagem moderna (não propriamente "de hoje"), embalada pelo tango em "Êxodo". Imagens em movimento são projetadas sobre os corpos, muitas vezes estáticos. O "êxodo" refere-se aos "exílios da alma" do homem contemporâneo, que vive nas cidades. Gestos buscam expressividade onde faltam as palavras; previsivelmente acabam presos à mímica. A rota do sentido é difícil.
Se é verdade que o que se viu até aqui, na Mostra Sesc de Artes - Latinidades, nem sempre teve a qualidade esperada, não deixa de ser verdade também que esse intercâmbio é precioso. O provincianismo começa sempre em casa. O estranho faz sempre diferença -seja para confirmar verdades nossas, seja para fazer, quem sabe, um dia, verdadeira diferença.


Mostra Sesc de Artes - Latinidades   
Onde: nas unidades do Sesc (inf., tel.: 0800-118220, ou pelo site www.sescsp.org.br
Quando: até 31 de agosto
Quanto: preços variados



Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.