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Crítica/erudito
Les Musiciens du Louvre relêem obra de Mozart para evocar o passado
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
"Insuportável!" No tom
que a palavra foi dita,
com os olhos faiscando e as mãos batendo palmas
em ritmo acelerado, ficava mais
do que claro que queria dizer
"sensacional!". Foi exatamente
o que disse depois a bela cantora, empolgada ao final da primeira parte do concerto do Les
Musiciens du Louvre, anteontem no Cultura Artística. E era
só a primeira parte.
A essa altura da vida, ninguém mais sai de casa para escutar as conhecidíssimas "Sinfonias" nš 40 e 41 de Mozart
(1756-91), a não ser na expectativa de revelações inusitadas.
Mas não é menos que isso o que
se espera do conjunto do maestro Marc Minkowski, há 24
anos renovando a audição de
compositores como Haendel e
Rameau, sem falar no prodigioso Amadeus.
Les Musiciens du Louvre estão hoje baseados no interior
da França, em Grenoble, onde
mantêm, desde o ano passado,
um centro de formação musical. Eles formam uma das orquestras mais vibrantes que já
se viu, mesmo no contexto agora tão habitualmente vibrante
da música antiga. Entre vários
trunfos, contam com quatro espetaculares contrabaixos, tocando sobre um praticável, no
fundo ao centro da orquestra. É
um trunfo especial, porque
Minkovski se destaca como regente do contraponto, e faz ouvir linhas graves e médias que
quase nunca se escuta.
Contrastes
No primeiro tema da "Sinfonia" nš 40, por exemplo, eram
as violas que soavam, de imediato, vários decibéis acima do
comum, o que dava uma nova
agitação a tudo. O contraste
com o segundo tema não poderia ser mais dramático. Minkovski muitas vezes faz uso
desse expediente: os temas
mais tranqüilos são tocados
com dinâmica baixa e notas secas, que soam mais baixas e secas ainda nos instrumentos antigos. A música parece ter parado no ar. Soa entre estática e
etérea. Quando volta o
rock'n'roll, depois, a cabeça da
gente explode.
Proximidades
Nisso, como em muitos outros detalhes, fica patente a
proximidade dessa música (de
fins do século 18) com as práticas barrocas, mais do que com
as convenções da música sinfônica do século 19, que até bem
pouco tempo serviam de base
para nossa imagem do estilo
clássico. A lógica da composição já era outra, mas o modo de
tocar instrumentos de corda,
sem falar nas flautas de madeira, trompas sem válvulas etc.
evidencia uma obviedade que é
também uma surpresa: Mozart
vem do que estava às suas costas, não à sua frente.
Neste retorno às origens, porém, há muito que soa como
um avanço. A música cresce de
dentro para fora, desautomatizada, acompanhando sua própria razão. E esses músicos tocam tudo, também, com tanta
gana que enchem todo mundo
de espanto.
Para ficar só num exemplo:
as duas violoncelistas da última
fileira. Passaram o concerto inteiro trocando bem-humorados olhares de entendimento,
reagindo com olhos e ombros
às minúcias da partitura, gingando na cadeira e se atirando
para dentro da música, conforme o caso. As duas, ali, compunham juntas a imagem de muita coisa: juventude, inteligência, energia, beleza, graça.
Eram uma imagem da música,
que fica com a gente para animar os dias.
LES MUSICIENS DU LOUVRE
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