São Paulo, quinta-feira, 26 de outubro de 2006

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Crítica/erudito

Les Musiciens du Louvre relêem obra de Mozart para evocar o passado

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

"Insuportável!" No tom que a palavra foi dita, com os olhos faiscando e as mãos batendo palmas em ritmo acelerado, ficava mais do que claro que queria dizer "sensacional!". Foi exatamente o que disse depois a bela cantora, empolgada ao final da primeira parte do concerto do Les Musiciens du Louvre, anteontem no Cultura Artística. E era só a primeira parte.
A essa altura da vida, ninguém mais sai de casa para escutar as conhecidíssimas "Sinfonias" nš 40 e 41 de Mozart (1756-91), a não ser na expectativa de revelações inusitadas.
Mas não é menos que isso o que se espera do conjunto do maestro Marc Minkowski, há 24 anos renovando a audição de compositores como Haendel e Rameau, sem falar no prodigioso Amadeus. Les Musiciens du Louvre estão hoje baseados no interior da França, em Grenoble, onde mantêm, desde o ano passado, um centro de formação musical. Eles formam uma das orquestras mais vibrantes que já se viu, mesmo no contexto agora tão habitualmente vibrante da música antiga. Entre vários trunfos, contam com quatro espetaculares contrabaixos, tocando sobre um praticável, no fundo ao centro da orquestra. É um trunfo especial, porque Minkovski se destaca como regente do contraponto, e faz ouvir linhas graves e médias que quase nunca se escuta.

Contrastes
No primeiro tema da "Sinfonia" nš 40, por exemplo, eram as violas que soavam, de imediato, vários decibéis acima do comum, o que dava uma nova agitação a tudo. O contraste com o segundo tema não poderia ser mais dramático. Minkovski muitas vezes faz uso desse expediente: os temas mais tranqüilos são tocados com dinâmica baixa e notas secas, que soam mais baixas e secas ainda nos instrumentos antigos. A música parece ter parado no ar. Soa entre estática e etérea. Quando volta o rock'n'roll, depois, a cabeça da gente explode.

Proximidades
Nisso, como em muitos outros detalhes, fica patente a proximidade dessa música (de fins do século 18) com as práticas barrocas, mais do que com as convenções da música sinfônica do século 19, que até bem pouco tempo serviam de base para nossa imagem do estilo clássico. A lógica da composição já era outra, mas o modo de tocar instrumentos de corda, sem falar nas flautas de madeira, trompas sem válvulas etc. evidencia uma obviedade que é também uma surpresa: Mozart vem do que estava às suas costas, não à sua frente.
Neste retorno às origens, porém, há muito que soa como um avanço. A música cresce de dentro para fora, desautomatizada, acompanhando sua própria razão. E esses músicos tocam tudo, também, com tanta gana que enchem todo mundo de espanto.
Para ficar só num exemplo: as duas violoncelistas da última fileira. Passaram o concerto inteiro trocando bem-humorados olhares de entendimento, reagindo com olhos e ombros às minúcias da partitura, gingando na cadeira e se atirando para dentro da música, conforme o caso. As duas, ali, compunham juntas a imagem de muita coisa: juventude, inteligência, energia, beleza, graça.
Eram uma imagem da música, que fica com a gente para animar os dias.


LES MUSICIENS DU LOUVRE     


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