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Crítica/teatro
"Anátema" é bela aula de subversão
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Juliana Galdino testa sua
autonomia de vôo. Após
sete anos como chamariz
do CPT de Antunes Filho, faz
um monólogo escrito e dirigido
por Roberto Alvim. Evitando
traumas pós-separação, tem
sempre o cuidado de apresentá-lo como uma segunda etapa
da aprendizagem com o mestre, o que denota não só a maturidade da atriz, como do CPT.
E o que se colhe dos ventos
semeados por Antunes? Em
primeiro lugar, é preciso assinalar que a dupla Galdino/Alvim tem o potencial de duplas
consagradas, como a dupla Fernanda D'Umbra/Mario Bortolotto ou Mariana Lima/Enrique Diaz. Substituindo o esquema de produção teatral em torno de um demiurgo e seus seguidores, o que se tem cada vez
mais é uma equipe de iguais,
que se desafiam e se completam: a geração sem tutores.
Pouco conhecido ainda em
São Paulo, Roberto Alvim é um
dos motores do importante
movimento Nova Dramaturgia
Brasileira, do Rio, que, sem pretender ser um celeiro de obras-primas, provou que o experimental tem um público fiel,
fundamental para a renovação
do mercado. Este "Anátema" é
sua 15ª peça e, como indica o
autor, a síntese de sua obra.
Ao ver o rosto da mãe morta,
uma mulher tem a revelação: a
morte liberta da mediocridade
da vida. Assim, torna-se "serial
killer" por amor ao próximo.
Não é sádica, apesar de matar
após o sexo: a violência não a
excita, mas vence a repugnância com exaltação cristã, com a
sensualidade de Santa Teresa,
com a alegria de Blaise Pascal.
Aqui, lágrimas e sangue correm com a urgência de um rio e,
apesar da densa poesia do texto
arrastar o espectador para um
universo arquetípico, a encenação deixa claro que o contexto é
o da confissão pública da assassina ou, talvez, o da apresentação de seu caso em um estudo
clínico de hospital psiquiátrico.
Assim, a referência do título ao
ritual católico de excomunhão,
"bem calculado para infundir
terror ao criminoso, a fim de
conduzi-lo ao arrependimento", é sutilmente ambíguo.
Quem é anatemizado: a mediocridade da vida por parte da assassina ou esta, pela boa consciência do público?
Roberto Alvim mostra que
assimilou o legado de Artaud: a
crueldade no teatro é, sobretudo, contra si mesmo, e o artista,
sacerdote da dúvida, apresenta-se como monstro de feira,
para o medo de quem o vê. Seu
universo, que beira o melodrama de elegância minimalista do
"film noir", é próximo do de
Celso Cruz. Aqui, no entanto,
não há concessão nenhuma ao
deboche "trash" e, às vezes, a
ausência do humor enquanto
distanciamento leva a um tom
um pouco assertivo: uma aula é
dada ao público, subversiva
sim, mas cheia de si.
Na performance de Juliana
Galdino, esta convicção no próprio talento atrapalha também,
às vezes. Após anos canalizando a energia torrencial da tragédia grega, demonstrativa de
um método radical de Antunes
Filho, ela busca uma maior delicadeza para fazer ouvir "o que
seu sangue murmura". Sua voz,
como um riacho inconstante,
apesar de manter uma entonação grave e voluntariamente
não-natural, ora se faz quase
inaudível no momento de dor,
ora sangra represas com energia. Seria preciso um ouvido
acurado de crítico musical para
acompanhar essa delicada partitura, para assinalar com precisão seus excessos, mas arrisco
aqui desejar que, depois de um
silêncio no paroxismo da dor, a
inspiração ruidosa não roubasse o foco da palavra seguinte.
Mas a elegância do espetáculo é garantida pela marcação
precisa, a iluminação marcante
e o bom uso de projeções. O
Club Noir nasce com maturidade, abrindo com bons ventos
novos a temporada.
ANÁTEMA
Onde: Unidade Provisória do Sesc Avenida Paulista - espaço 10º andar (av.
Paulista, 119, Bela Vista, tel. 3179-3700)
Quando: sex. a dom., às 21h; até 11/3
Quanto: de R$ 7,50 a R$ 15
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