São Paulo, quarta-feira, 27 de maio de 2009

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Peça mostra mundo alagado

Em "Manter em Local Seco e Arejado", que estreia hoje, água é metáfora para apatia e acomodação do homem

Inspirado em texto do filósofo Gilles Lipovetsky, espetáculo busca encenar falta de "sensação trágica" na contemporaneidade

Raoni Maddalena/Divulgação
Cena de `Manter...´ do grupo [pH2]: Estado de Teatro

LUCAS NEVES
DA REPORTAGEM LOCAL

No texto "Narciso Ou A Estratégia do Vazio", o filósofo francês Gilles Lipovetsky comenta a nova configuração do narcisismo na contemporaneidade: o "querer ser visto" pelo outro dá lugar à anulação deste, ao enclausuramento dos indivíduos em si mesmos.
Transformar a elucubração em ação cênica é o desafio a que se lança o grupo [pH2]: Estado de Teatro, cria do Departamento de Artes Cênicas da Escola de Comunicações e Artes da USP, em "Manter em Local Seco e Arejado", que estreia hoje.
A partir de uma frase de Lipovetsky -"as catástrofes ambientais se multiplicam sem que se tenha a sensação de catástrofe, tragédia"-, a companhia se pôs a sondar como seria a vida num mundo alagado, em que vigorassem "a apatia e a adaptação, apesar de tudo, com cada ser centrado apenas em si próprio", segundo explica a cocriadora Luana Gouveia.
Nesse lugar à deriva, para evitar o contato com a água, que se insinua por toda fresta, só se anda com botas de borracha ou pisando em cadeiras (cujos pés são envoltos em plástico-bolha). Os mais prevenidos se cobrem da cabeça aos pés com macacões sintéticos, como se estivessem a combater agentes químicos ou biológicos.


Inércia
Mas a vida segue, com "Georgia on My Mind" embalando a fantasia podólatra do casal na cozinha e o governo baixando leis de incentivo ao engarrafamento da água.
Aqui e ali, surgem focos de estranhamento da situação. Um homem denuncia a domesticação das águas, a anulação da "potência catártica das coisas"; em seguida, na sua guerrilha solitária, desenrosca tampas de várias garrafas. Alguma coisa está fora da ordem.
A distopia de "Manter..." tem por matrizes filmes como "Alphaville" (1965), de Godard, e "Fahrenheit 451" (1966), de Truffaut. Mas também as nada ficcionais notícias de vidas transcorridas à base de paliativos. Caso dos "pais de cartolina" que, para atenuar a saudade da prole, foram parar nas casas de soldados americanos enviados ao Oriente Médio.
Sem a preocupação de construir uma narrativa linear, a dramaturgia encadeia imagens autônomas, sensações. "Buscamos uma comunicação de outra natureza, que estimule outros canais", afirma o diretor, Rodrigo Batista.


MANTER EM LOCAL SECO E AREJADO

Quando: estreia hoje; qua. e qui., às 20h; até 25/6
Onde: Sesc Av. Paulista - 11º andar (av. Paulista, 119, tel. 3179-3700)
Quanto: R$ 8
Classificação: não indicado a menores de 14 anos




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