São Paulo, terça-feira, 27 de julho de 2004

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CINEMA PERSA

Ciclo de documentários independentes constrói painel variado de mudanças na sociedade do país islâmico

Mostra apresenta Irã em estado bruto

Divulgação
Cena de "Sozinha em Teerã", de Pirooz Kalantari, que está na mostra de curtas iranianos no CCBB


LUCIANA COELHO
DA REDAÇÃO

Que tal assistir a um ciclo de documentários iranianos independentes em curta-metragem, a maioria produzida com câmeras digitais ou em 16 mm?
A proposta feita pela curadora Alessandra Maleiro, doutora em Cinema pela USP e colaboradora da Folha, assusta à primeira vista. Afinal, se a aclamada ficção iraniana, patrocinada pelo governo e premiada internacionalmente, é conhecida pelo ritmo arrastado e pela precariedade técnica, é de esperar que documentários independentes estejam degraus abaixo nesses dois quesitos.
De fato, é preciso esforço de abstração para se concentrar no conteúdo das produções que integram a primeira Mostra de Documentários Iranianos Independentes, que começa hoje no Centro Cultural Banco do Brasil e vai até o próximo domingo. Mas quem obtiver sucesso nesse exercício não deve se arrepender.
A indústria independente iraniana é embrionária. "Ainda não conseguimos transformar o sucesso em festivais internacionais em um mercado real, já que quem costuma promover o cinema iraniano é o governo", disse à Folha Mohammad Atebbai, fundador do Iranian Independents.
Mas há no ciclo trunfos, como a liberdade em tratar de temas sociais e políticos.
"Fica claro que os órgãos estatais não produzem ou financiam filmes que vão tratar abertamente de temas sociais ou políticos. Os independentes podem fazer isso", comenta Atebbai. Foi por meio do grupo, criado pelo cineasta em 1997 para promover os independentes fora do Irã, que os filmes da mostra chegaram ao Brasil.
Maleiro conseguiu montar, com 19 produções, um painel bastante amplo do Irã contemporâneo -é possível vislumbrar ali do cotidiano dos seguidores de crenças minoritárias ("Dervixes no Curdistão", "Batistas no Irã" e "Poolkeh") a histórias de prostitutas, viciadas e fugitivas ( "Encontro de Mulheres"), passando por assuntos tão díspares como caviar ("A Pérola do Cáspio") e refugiados afegãos ("Afeganistão: A Verdade Perdida", "Oração pela Terra do Sol" e "A Escola"). O cinema iraniano recente também é tema recorrente, com "Forough Farrokhzad", "Sozinha em Teerã" e "Três Mulheres do Cinema".
São retratos em estado bruto de uma sociedade em transformação, com altos e baixos em todos os aspectos. Esse resultado tão irregular é explicado pelo próprio Atebbai. "A jovem geração de cineastas iranianos é bem diferente das gerações passadas em todos os aspectos. Parece que eles estão sempre tentando obter um resultado excepcional em um tempo mínimo, e isso é impossível na arte, especialmente no cinema."
Fica fácil entender, portanto, por que a melhor produção da mostra vem de veteranos.
"Concepção", produzido por Abbas Kiarostami e dirigido pela atriz Niki Karimi, é dotado de uma delicadeza que falta às demais produções. Primeira estrela do cinema iraniano pós-Revolução Islâmica, Karimi escolheu como ponto de partida de sua estréia na direção uma clínica de reprodução humana em Teerã. Por meio das pacientes, ela dá uma dimensão humana à discussão do papel da mulher na sociedade iraniana. Afinal, em um país patriarcal, onde Estado e religião se misturam -e onde a religião prega a maternidade como principal papel da mulher-o que cabe àquelas que não podem conceber?


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