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Crítica/"Mais Tarde Você Entenderá"
Com rigor, Amos Gitai aborda culpa dos cristãos em relação aos judeus
Divulgação
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A atriz Jeanne Moreau em cena de 'Mais Tarde Você Entenderá', filme do israelense Amos Gitai
CRÍTICO DA FOLHA
Depois de quase 30 anos
em que colocou em
questão, em seus filmes, o Estado de Israel, Amos
Gitai muda o curso de sua obra:
em "Mais Tarde Você Entenderá" já não se trata das culpas
dos israelenses em relação aos
palestinos, mas da culpa dos
cristãos em relação aos judeus.
Sabemos que a dívida, neste
caso, é sem fim: do vulgar preconceito aos pogroms, da Inquisição ao Holocausto, a cristandade tem mil anos de perdão a pedir. Mas os grandes
eventos não se prestam à demonstração. No cinema, como
provaram Spielberg e outros, o
Holocausto torna-se um espetáculo a ser fruído com pipoca.
Gitai de certa forma exorcisa
essa banalidade do mal. O caso
tratado aqui é pequeno, preciso
e comporta várias camadas de
tragédia. A trama, baseada na
autobiografia de Jémôme Cléments, trata de Victor, um católico que busca suas origens, depois de descobrir que uma parte de seus parentes (avós) foi
deportada durante a Segunda
Guerra e exterminada.
O que torna sua busca mais
obsessiva é, além da descoberta
sobre os avós, a rede de dissimulações criada em torno dela.
Rigor
Temos então um católico
descendente em parte de judeus, que sobrevive ao Holocausto graças a alguns truques.
Para resumir, é a parte cristã de
sua ascendência que garante a
sobrevivência da família. Mas,
para que isso aconteça, ele toma conhecimento de alguns
sórdidos documentos. Quanto
a nós, tomamos conhecimento
da podridão e da baixeza do governo colaboracionista que vigorou na França durante o período em que o país esteve ocupado pelos nazistas.
Tudo isso poderia ser motivo
de um melodrama comovido.
Gitai não abandona, no entanto, o rigor que conhecemos. Entra na história pela porta dos
fundos, como um Samuel Fuller, e não tem pressa para desenvolver o raciocínio ao longo
de fatos que chegarão até a ação
da milícia fascista que fazia o
papel dos nazistas na França.
Guardemos a fantástica cena,
logo no início, em que Victor
tenta conversar com a mãe,
Rivka (Jeanne Moreau) sobre
certos fatos do passado e ela
evita com cuidado o assunto.
Assim como ele tem seus motivos para inquirir, ela tem o seu
para calar: sabe que esse passado é pesado demais para que se
possa conviver com ele.
O horror delicado da história
narrada por Gitai está, de certa
forma, gravada no rosto de cada
velhinho francês, neste notável
filme que felizmente evita comover-se com a história que conta.
Permite que nós nos comovamos, e o fazemos porque compreendemos.
(INÁCIO ARAUJO)
MAIS TARDE VOCÊ ENTENDERÁ
Quando: hoje, 22h10, no HSBC Belas
Artes; dia 29, 18h, no Cine Bombril;
dia 30, 13h, no Unibanco Arteplex
Classificação: 14 anos
Avaliação: ótimo
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