São Paulo, segunda-feira, 27 de outubro de 2008

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Crítica/"Mais Tarde Você Entenderá"

Com rigor, Amos Gitai aborda culpa dos cristãos em relação aos judeus

Divulgação
A atriz Jeanne Moreau em cena de 'Mais Tarde Você Entenderá', filme do israelense Amos Gitai

CRÍTICO DA FOLHA

Depois de quase 30 anos em que colocou em questão, em seus filmes, o Estado de Israel, Amos Gitai muda o curso de sua obra: em "Mais Tarde Você Entenderá" já não se trata das culpas dos israelenses em relação aos palestinos, mas da culpa dos cristãos em relação aos judeus.
Sabemos que a dívida, neste caso, é sem fim: do vulgar preconceito aos pogroms, da Inquisição ao Holocausto, a cristandade tem mil anos de perdão a pedir. Mas os grandes eventos não se prestam à demonstração. No cinema, como provaram Spielberg e outros, o Holocausto torna-se um espetáculo a ser fruído com pipoca.
Gitai de certa forma exorcisa essa banalidade do mal. O caso tratado aqui é pequeno, preciso e comporta várias camadas de tragédia. A trama, baseada na autobiografia de Jémôme Cléments, trata de Victor, um católico que busca suas origens, depois de descobrir que uma parte de seus parentes (avós) foi deportada durante a Segunda Guerra e exterminada.
O que torna sua busca mais obsessiva é, além da descoberta sobre os avós, a rede de dissimulações criada em torno dela.

Rigor
Temos então um católico descendente em parte de judeus, que sobrevive ao Holocausto graças a alguns truques.
Para resumir, é a parte cristã de sua ascendência que garante a sobrevivência da família. Mas, para que isso aconteça, ele toma conhecimento de alguns sórdidos documentos. Quanto a nós, tomamos conhecimento da podridão e da baixeza do governo colaboracionista que vigorou na França durante o período em que o país esteve ocupado pelos nazistas.
Tudo isso poderia ser motivo de um melodrama comovido.
Gitai não abandona, no entanto, o rigor que conhecemos. Entra na história pela porta dos fundos, como um Samuel Fuller, e não tem pressa para desenvolver o raciocínio ao longo de fatos que chegarão até a ação da milícia fascista que fazia o papel dos nazistas na França.
Guardemos a fantástica cena, logo no início, em que Victor tenta conversar com a mãe, Rivka (Jeanne Moreau) sobre certos fatos do passado e ela evita com cuidado o assunto.
Assim como ele tem seus motivos para inquirir, ela tem o seu para calar: sabe que esse passado é pesado demais para que se possa conviver com ele.
O horror delicado da história narrada por Gitai está, de certa forma, gravada no rosto de cada velhinho francês, neste notável filme que felizmente evita comover-se com a história que conta. Permite que nós nos comovamos, e o fazemos porque compreendemos. (INÁCIO ARAUJO)


MAIS TARDE VOCÊ ENTENDERÁ
Quando: hoje, 22h10, no HSBC Belas Artes; dia 29, 18h, no Cine Bombril; dia 30, 13h, no Unibanco Arteplex
Classificação: 14 anos
Avaliação: ótimo



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