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SABATINA FOLHA
BOB WILSON
"Sempre fui contra o realismo"
Lalo de Almeida/Folha Imagem
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DA REPORTAGEM LOCAL
O DRAMATURGO norte-americano Bob
Wilson defendeu anteontem, em sabatina
da Folha, uma visão não-realista do teatro. "O único modo de ficar livre num
palco é ser totalmente mecânico." "Estar num palco
ou fazer um filme é algo artificial. Se pensar que é
natural, é mentira", disse Wilson, que várias vezes
ilustrou sua fala com pequenas atuações.
O debate fez parte das comemorações dos 50 anos
da Ilustrada e teve como mediador Marcos Augusto Gonçalves, editor do caderno. Participaram Marcos Flamínio, editor do Mais!, Nelson de Sá, colunista da Folha, e Fabio Cypriano, repórter da Ilustrada. O artista participou do Fronteiras Braskem
do Pensamento nesta semana, e sua mostra "Voom
Portraits" está no Sesc-Pinheiros.
ABSTRAÇÃO
Não sei porque o teatro ainda é
tão naturalista. Cresci numa cidade pequena do Texas. Não fui
a teatro, cinema, museu etc. até
os 20 e poucos anos, quando me
mudei para Nova York e não
gostei muito do que vi. Mas o
que me fascinou então foi o que
acontecia nas artes visuais e na
dança, por exemplo nos balés
abstratos do [coreógrafo] Georges Balanchine (1904-1983). O
espaço mental era livre, diferente das peças carregadas de
interpretações, idéias etc.
O teatro ocidental hoje não
tem espaço para a abstração.
Em Harvard, Yale e Julliard,
onde se ensinam artes dramáticas e música, a abstração não é
parte do pensamento.
Na Paris do início dos anos
60, [o coreógrafo] Merce Cunningham não pensava em conteúdos, mas em tempo e espaço. Até os anos 70, a Inglaterra
ainda era muito ligada à narrativa. Hoje, pode-se admirar forma e cor na dança e nas artes visuais, mas, quando se faz isso
no teatro, ainda é algo confuso.
O GESTO
O gesto existe por si mesmo,
não deve ilustrar ou ser pretexto para texto ou música. É movimento a serviço do movimento. Vi no Japão uma peça de
teatro nô do século 14, e os movimentos de então são repetidos ainda hoje. Boa parte deles
é abstrata, mas não era de modo algum estranha aos japoneses. Mas não tente fazer isso
com um cantor do Metropolitan de Nova York. É quase impossível. É estranho que isso
não esteja no vocabulário operístico, mas está no meu.
RÁDIO x CINEMA MUDO
Na dramaturgia feita para o rádio, você é livre para imaginar.
Você ouve aquilo e imagina as
personagens. O teatro que faço
é um pouco como juntar dramaturgia de rádio com cinema
mudo, porque se tem espaço interior [...] Montei Eurípedes,
Shakespeare e Heiner Müller.
Incutir um sentido anula a possibilidade de idéias. No meu
teatro, não imponho idéias,
deixo espaço para a platéia. Não
insisto para que sintam como
eu sinto.
MECÂNICO
O que mais gosto nos filmes de
Charles Chaplin e Buster Keaton é que tudo ali é artificial, da
maquiagem à repetição de gestos. Em "Luzes da Ribalta"
(1952), Chaplin fez 200 tomadas da seqüência com as pulgas.
O único modo de ser totalmente livre no teatro é se tornar
mecânico. Minha mãe era uma
datilógrafa muito ágil. Ela dizia
que isso lhe dava tempo para
pensar. Warhol certa vez falou:
"Gostaria de ser uma máquina". Aí estaria a liberdade!
PROCESSO CRIATIVO
Não tenho um jeito único de
trabalhar com atores no processo de criação. Quando começo um ensaio, peço que o
ator faça qualquer coisa. Observo, anoto e então peço para que
faça outra coisa. E aí começo a
montar um vocabulário em cima de algo que surgiu espontaneamente. Diferentemente de
Cunningham e John Cage, que
tinham movimentos independentes, meu teatro não é só acaso. Pode ser independente ou
reforçar o que se ouve.
WILSON x WARHOL
Andy Warhol foi um dos maiores artistas do século 20, seja
porque inventou uma revista,
pela sua forma de pensar as cores, o modo como se vestia ou
seu próprio estilo de vida. Acho
difícil me comparar a ele, mas a
duração das minhas obras e os
vídeo-retratos que faço de pessoas nas ruas, animais e atletas
podem ser paralelos. São como
álbuns de família de pessoas do
nosso tempo. [...] No entanto,
Andy era mais próximo do naturalismo; o meu trabalho é o
contrário. Sempre me interessei pela estagnação e pelo movimento que pode existir ali.
Sempre começo meus trabalhos pelo silêncio. Quando estamos quietos, ficamos mais
atentos ao som e ao movimento. [...] Quanto a ser comercial
por fazer vídeo-retratos de celebridades, não me arrependo.
Queria que o meu trabalho tivesse sido mais comercial.
NATUREZA ANIMAL
Uma vez, fiz um vídeo-retrato
de uma pantera negra. Depois
de tirar as correntes do animal,
parte da equipe saiu e a domadora avisou: "Se a pantera correr em direção a você, não se
mova". Durante a filmagem, o
animal ficou meia hora sem se
mexer, assim como eu e os técnicos. O que foi marcante é que,
de certa maneira, todos nos
sentimos como a pantera: estávamos todos escutando e respirando juntos. Havia uma entidade na sala. E estávamos ouvindo não só com os ouvidos,
mas da forma como uma pantera ouve: com o corpo.
Uma das chaves para entender todo o meu trabalho é a natureza de um animal. Acho que
foi [o escritor e dramaturgo alemão Heinrich von] Kleist
(1777-1811) quem disse que um
bom ator é como um urso: jamais será o primeiro a atacar.
RÓTULOS
Não conheço nada sobre a teoria do teatro pós-dramático [ao
qual o dramaturgo é associado
e que teria influenciado a montagem de Antunes Filho para
"Macunaíma", no fim dos anos
70], mas vou contar uma história. Uma vez, li que eu havia iniciado o teatro pós-moderno.
No fim dos anos 70, estava em
um hotel em Houston, no Texas, e comentei com a camareira que tudo no quarto era cor-de-rosa, das toalhas aos sofás.
Ela respondeu: "Não é rosa. É
rosa empoeirado, é pós-moderno!". Graças a Deus entendi ali
o que era pós-moderno. Nunca
entendi muito bem certos rótulos. Até hoje, não sei direito o
que é minimalismo.
FOLHA ONLINE
Leia comentário do
colunista Nelson de Sá no
blog Cacilda
(cacilda.folha.blog.uol.com.br)
Assista ao vídeo da
sabatina
www.folha.com.br/08330
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