São Paulo, quinta-feira, 27 de novembro de 2008

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SABATINA FOLHA
BOB WILSON


"Sempre fui contra o realismo"

Lalo de Almeida/Folha Imagem


DA REPORTAGEM LOCAL

O DRAMATURGO norte-americano Bob Wilson defendeu anteontem, em sabatina da Folha, uma visão não-realista do teatro. "O único modo de ficar livre num palco é ser totalmente mecânico." "Estar num palco ou fazer um filme é algo artificial. Se pensar que é natural, é mentira", disse Wilson, que várias vezes ilustrou sua fala com pequenas atuações.
O debate fez parte das comemorações dos 50 anos da Ilustrada e teve como mediador Marcos Augusto Gonçalves, editor do caderno. Participaram Marcos Flamínio, editor do Mais!, Nelson de Sá, colunista da Folha, e Fabio Cypriano, repórter da Ilustrada. O artista participou do Fronteiras Braskem do Pensamento nesta semana, e sua mostra "Voom Portraits" está no Sesc-Pinheiros.

ABSTRAÇÃO
Não sei porque o teatro ainda é tão naturalista. Cresci numa cidade pequena do Texas. Não fui a teatro, cinema, museu etc. até os 20 e poucos anos, quando me mudei para Nova York e não gostei muito do que vi. Mas o que me fascinou então foi o que acontecia nas artes visuais e na dança, por exemplo nos balés abstratos do [coreógrafo] Georges Balanchine (1904-1983). O espaço mental era livre, diferente das peças carregadas de interpretações, idéias etc. O teatro ocidental hoje não tem espaço para a abstração. Em Harvard, Yale e Julliard, onde se ensinam artes dramáticas e música, a abstração não é parte do pensamento. Na Paris do início dos anos 60, [o coreógrafo] Merce Cunningham não pensava em conteúdos, mas em tempo e espaço. Até os anos 70, a Inglaterra ainda era muito ligada à narrativa. Hoje, pode-se admirar forma e cor na dança e nas artes visuais, mas, quando se faz isso no teatro, ainda é algo confuso.

O GESTO O gesto existe por si mesmo, não deve ilustrar ou ser pretexto para texto ou música. É movimento a serviço do movimento. Vi no Japão uma peça de teatro nô do século 14, e os movimentos de então são repetidos ainda hoje. Boa parte deles é abstrata, mas não era de modo algum estranha aos japoneses. Mas não tente fazer isso com um cantor do Metropolitan de Nova York. É quase impossível. É estranho que isso não esteja no vocabulário operístico, mas está no meu.

RÁDIO x CINEMA MUDO
Na dramaturgia feita para o rádio, você é livre para imaginar. Você ouve aquilo e imagina as personagens. O teatro que faço é um pouco como juntar dramaturgia de rádio com cinema mudo, porque se tem espaço interior [...] Montei Eurípedes, Shakespeare e Heiner Müller. Incutir um sentido anula a possibilidade de idéias. No meu teatro, não imponho idéias, deixo espaço para a platéia. Não insisto para que sintam como eu sinto.

MECÂNICO
O que mais gosto nos filmes de Charles Chaplin e Buster Keaton é que tudo ali é artificial, da maquiagem à repetição de gestos. Em "Luzes da Ribalta" (1952), Chaplin fez 200 tomadas da seqüência com as pulgas. O único modo de ser totalmente livre no teatro é se tornar mecânico. Minha mãe era uma datilógrafa muito ágil. Ela dizia que isso lhe dava tempo para pensar. Warhol certa vez falou: "Gostaria de ser uma máquina". Aí estaria a liberdade!

PROCESSO CRIATIVO
Não tenho um jeito único de trabalhar com atores no processo de criação. Quando começo um ensaio, peço que o ator faça qualquer coisa. Observo, anoto e então peço para que faça outra coisa. E aí começo a montar um vocabulário em cima de algo que surgiu espontaneamente. Diferentemente de Cunningham e John Cage, que tinham movimentos independentes, meu teatro não é só acaso. Pode ser independente ou reforçar o que se ouve.

WILSON x WARHOL
Andy Warhol foi um dos maiores artistas do século 20, seja porque inventou uma revista, pela sua forma de pensar as cores, o modo como se vestia ou seu próprio estilo de vida. Acho difícil me comparar a ele, mas a duração das minhas obras e os vídeo-retratos que faço de pessoas nas ruas, animais e atletas podem ser paralelos. São como álbuns de família de pessoas do nosso tempo. [...] No entanto, Andy era mais próximo do naturalismo; o meu trabalho é o contrário. Sempre me interessei pela estagnação e pelo movimento que pode existir ali. Sempre começo meus trabalhos pelo silêncio. Quando estamos quietos, ficamos mais atentos ao som e ao movimento. [...] Quanto a ser comercial por fazer vídeo-retratos de celebridades, não me arrependo. Queria que o meu trabalho tivesse sido mais comercial.

NATUREZA ANIMAL
Uma vez, fiz um vídeo-retrato de uma pantera negra. Depois de tirar as correntes do animal, parte da equipe saiu e a domadora avisou: "Se a pantera correr em direção a você, não se mova". Durante a filmagem, o animal ficou meia hora sem se mexer, assim como eu e os técnicos. O que foi marcante é que, de certa maneira, todos nos sentimos como a pantera: estávamos todos escutando e respirando juntos. Havia uma entidade na sala. E estávamos ouvindo não só com os ouvidos, mas da forma como uma pantera ouve: com o corpo. Uma das chaves para entender todo o meu trabalho é a natureza de um animal. Acho que foi [o escritor e dramaturgo alemão Heinrich von] Kleist (1777-1811) quem disse que um bom ator é como um urso: jamais será o primeiro a atacar.

RÓTULOS
Não conheço nada sobre a teoria do teatro pós-dramático [ao qual o dramaturgo é associado e que teria influenciado a montagem de Antunes Filho para "Macunaíma", no fim dos anos 70], mas vou contar uma história. Uma vez, li que eu havia iniciado o teatro pós-moderno. No fim dos anos 70, estava em um hotel em Houston, no Texas, e comentei com a camareira que tudo no quarto era cor-de-rosa, das toalhas aos sofás. Ela respondeu: "Não é rosa. É rosa empoeirado, é pós-moderno!". Graças a Deus entendi ali o que era pós-moderno. Nunca entendi muito bem certos rótulos. Até hoje, não sei direito o que é minimalismo.

FOLHA ONLINE
Leia comentário do colunista Nelson de Sá no blog Cacilda
(cacilda.folha.blog.uol.com.br)

Assista ao vídeo da sabatina
www.folha.com.br/08330



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