São Paulo, quinta-feira, 28 de agosto de 2008

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Crítica/teatro/"Literatura Contemporânea"

Bonassi faz auto-ironia com a condição de escritor

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

"Literatura Contemporânea" segue à risca a fórmula de "O Incrível Menino da Fotografia": é um monólogo no qual o alter ego do autor, beckettianamente aprisionado em uma situação metafórica, joga com o aqui e agora junto à platéia, convidada a ser cúmplice já no saguão, quando se depara com uma instalação (um banquinho de suicida com instruções) e ganha o texto integral da peça, para poder seguir a partitura. O que não quer dizer que Fernando Bonassi esteja se fechando em uma fórmula única. Pelo contrário: pioneiro e principal nome da dramaturgia participativa, é curioso como, para suas causas próprias, ele criou uma fórmula tão radicalmente presa ao literário. Assim, em seus monólogos, o dramaturgo-diretor pouco a pouco deixa o experimento aberto para conquistar um estilo próprio, o que não é nenhum demérito, muito pelo contrário. No entanto, aqui, o impacto se dilui. Ao contrário do menino congelado na típica foto das escolas da ditadura, porta-voz de uma geração mutilada, a condição de escritor, evocada por um homem amarrado à sua mesa de trabalho, entre paredes brancas, por ser mais particular, tem uma auto-ironia quase narcisista. Afinal, ao contrário do menino em armadilha existencial, a condição do escritor é voluntária. Complica a empatia também a escolha de César Figueiredo para encarná-lo. Apesar de talentoso, cumprindo com desenvoltura uma marcação difícil, parece jovem demais para o papel e não dá a impressão de estar dando um depoimento nem mesmo quando, em parábase, vem até a platéia e fala em seu próprio nome. O distanciamento técnico é amenizado pelo truque do jogo da forca, que é pintado nas paredes brancas e ao qual o público é desafiado. Há uma palavra a ser descoberta, que é chave para o entendimento do tema, e que pode ficar mais ou menos explícita de acordo com a sua performance. Brincando inteligentemente com uma velha e insolúvel angústia, a da autonomia do criador em uma sociedade capitalista, "Literatura Contemporânea" é um exercício divertido e sofisticado, com luz e cenário impecáveis, mas que, ainda assim, parece uma aplicação menor de uma fórmula instigante.

LITERATURA CONTEMPORÂNEA
Quando: sex. a dom., às 20h; até 21/9 Onde: Unidade Provisória Sesc Avenida Paulista - espaço 13º andar (av. Paulista, 119, tel. 3179-3700)
Classificação indicativa: não recomendado para menores de 14 anos
Quanto: R$ 5 a R$ 20
Avaliação: bom



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