São Paulo, Sábado, 28 de Agosto de 1999
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"Shopping" fragmenta a história

da Reportagem Local

Uma das maiores interrogações, diante de uma peça como "Shopping e Fucking", é se tem algo a dizer fora de seu ambiente de origem. São quatro jovens londrinos sem vontade, que não entendem por que trabalhar, por que ganhar dinheiro, por que não ficar ali, vendo TV, depois tomar um ácido, ir para a cama.
Na origem, são filhos da ressaca social e ideológica dos anos Margaret Thatcher. No Brasil, a identificação é indireta, distante, mas a encenação de Marco Ricca consegue algumas pontes. Um de seus pontos de partida é que aqueles jovens não se identificam mais com coletivo nenhum, a não ser no nível mais imediato, dos amigos, de ir para o clube dançar, coisa assim.
O texto é explícito, aliás, quando um dos jovens diz: "Tempos atrás havia grandes histórias. Tão grandes que você podia passar a vida toda acreditando nelas. "A Poderosa Força das Mãos de Deus e seu Destino". "A Viagem do Esclarecimento". "A Marcha do Socialismo". Mas todas elas morreram ou foram consumidas. E então nós agora estamos inventando nossas próprias histórias. Pequenas histórias".
"SF" é feita de pequenas histórias de amor e sexo, mercado e dinheiro, drogas e violência, mescladas entre elas -juntando sexo e comércio, amor e vício etc. São, nos tempos que correm, pequenas histórias universais, identificáveis no Brasil e seja lá onde for. Isso a montagem alcança, apesar de aqui e ali ameaçar restringir as tais pequenas histórias e seus personagens à chamada cultura "clubber", o que é um evidente equívoco.
"SF", no Brasil, poderia ser mais uniforme na construção dos papéis. Ricardo Blat, que centraliza a peça como Mark, amante dos demais todos, tem uma grande cena, quando conta uma "pequena história" perto do final. Mas no mais segue o tempo todo à procura do personagem. O mesmo vale para Rubens Caribé, que desperdiça muito de seu hilariante Robbie, em princípio o papel mais engraçado da peça.
Sílvia Buarque, a Lulu do triângulo amoroso com Mark e Robbie, Laerte Mello, um traficante que tenta ensiná-la e a Robbie, violentamente, a importância do dinheiro, e Edu Guimarães, um garoto de programa, têm maior continuidade e definição nas interpretações. Guimarães, em especial, é uma revelação de ator, que não deve parar em seu Gary -tão superior, diga-se, ao da montagem londrina.
"Shopping e Fucking" forma, ao lado de "Angels in America" e do musical "Rent", um dos painéis mais significativos que o teatro conseguiu dos fragmentados anos 90, no mundo. A montagem de Marco Ricca, apesar das lacunas pontuais, se mostrou à altura da tarefa. (NS)


Avaliação:    


Peça: Shopping & Fucking
Texto: Mark Ranvehill
Tradução: Laerte Mello
Trilha sonora: Eduardo Queiroz
Quando: qui. a sáb. (21h); dom. (18h)
Onde: Sesc Pompéia - teatro (r. Clélia, 93, tel. 3871-7777)
Quanto: R$ 5 (comerciário) e R$ 10


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