|
Próximo Texto | Índice
É TUDO VERDADE
Diretor de "Iracema", homenageado em festival de documentários, afirma que fronteira do gênero com a ficção é difusa
Faço ficção com a realidade, diz Bodanzky
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
O fotógrafo e cineasta Jorge Bodanzky, 63, diz que não gosta de
"olhar para trás". No entanto, é
com uma retrospectiva de sua
obra que o festival de documentários É Tudo Verdade o homenageia, em sua 11ª edição.
Hoje, a mostra exibe o maior
clássico da filmografia de Bodanzky, "Iracema, uma Transa
Amazônica" (1974), co-dirigido
por Orlando Senna. O filme, um
dos 16 da carreira do diretor, é
pioneiro no casamento da ficção
com o documentário.
No papel de um motorista de
caminhão, o ator Paulo César Pereio convive com habitantes da
região atravessada pela estrada-símbolo do "Brasil grande".
Hoje, o interesse de Bodanzky
segue voltado para a Amazônia.
De um barco onde oferece oficinas às populações ribeirinhas
(navegaramazonia.org.br), pretende operar um canal móvel de
TV. A seguir, ele fala à Folha.
Folha - O sr. cita a narrativa de
"Iracema, uma Transa Amazônica"
como "improvisação planejada".
Esse é o seu método no cinema?
Jorge Bodanzky - Não diria um
método. É algo que se incorporou
ao meu jeito de ser e de trabalhar,
mas não como método. Não tenho dogmas. Quando vou fazer
um filme, não penso que o farei
dessa ou daquela maneira. A coisa
sai naturalmente.
A forma de dirigir que escolhi
foi dirigir com a câmera. Praticamente empurro a cena com a câmera. Isso aconteceu de forma
plena em "Hitler Terceiro Mundo" (1968), de José Agrippino. Por
isso ele é o único filme que não dirigi que está nesta retrospectiva.
Folha - O sr. co-dirigiu "Iracema,
uma Transa Amazônica" com Orlando Senna, atual secretário do
Audiovisual do Ministério da Cultura. No documentário "Era Uma Vez
Iracema", que o sr. dirigiu, o ator
Paulo César Pereio reclama de Senna. Houve conflitos na equipe?
Bodanzky - A equipe foi muito
harmônica. Tinha de ser assim. O
conflito estava fora. Estávamos
numa área de segurança nacional.
O que estávamos fazendo era extremamente perigoso e arriscado.
Podíamos ser presos ou expulsos
pelo Exército a qualquer momento. Passávamos constantemente
por barreiras militares. A equipe
tinha de ser rápida e coesa. Não
havia espaço para dissonâncias.
Folha - O sr. pretendia fazer uma
obra inovadora no cinema brasileiro, como "Iracema" se tornou?
Bodanzky - Não nesse sentido,
mas a idéia de fazer um documentário-ficção é preconcebida. Tanto que o argumento de "Iracema"
começa assim: "Este projeto é um
docudrama". Mas esse filme foi
produzido para ser um programa
da TV alemã, não foi concebido
como um filme para cinema.
Folha - O sr. diferencia hoje documentários para TV e para cinema?
Bodanzky - Não. Hoje não existe
a distinção cinema e TV; documentário e ficção. São fronteiras
impossíveis de definir.
Folha - É impossível traçar a fronteira entre documentário e ficção?
Bodanzky - Não vejo necessidade de enquadrar o trabalho. As
coisas se entrelaçam. Pode ser
mais documentário ou mais ficção. Mas isso não é tão relevante.
Folha - Nem do ponto de vista da
relação cineasta/personagem?
Bodanzky - Se eu jogo um ator
dentro de um ambiente real e o
deixo envolver-se com essa realidade, ele vai deixando de ser uma
ficção e se insere como personagem dentro de uma realidade.
Já com os personagens reais, à
medida que você escolhe determinada pessoa, coloca-a num canto
e faz as perguntas que quer, até
que ponto você não está criando
um personagem dessa pessoa?
Os limites são difíceis de estabelecer. O que importa no cinema é
a verossimilhança. A minha ficção é a realidade, eu faço ficção
com a realidade.
Folha - Em seu documentário
"Era uma Vez Iracema", o sr. volta a
falar com a protagonista, Edna de
Cássia. Foi difícil reencontrá-la?
Bodanzky - Ela se recolheu, não
quis mais ser atriz. Mas a gente
nunca perdeu contato.
Iracema, uma Transa Amazônica
Direção: Jorge Bodanzky e Orlando Senna
Quando: hoje, às 16h30, no CCBB (r.
Álvares Penteado, 112, Centro, tel. 3113-3651)
Quanto: entrada franca
Próximo Texto: Crítica/"KZ": Documentário invade o inferno nazista Índice
|