São Paulo, domingo, 29 de setembro de 2002

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ARQUITETURA

Após dois anos e meio de reforma, igreja é reaberta com missa

Catedral da Sé reinaugura sua mistura de estilos

GUILHERME WISNIK
CRÍTICO DA FOLHA

A Catedral da Sé pode não ser um digno exemplar da nossa arquitetura, mas é inegavelmente um símbolo importante da cidade de São Paulo no século 20. Nesse sentido, seu valor reside menos na qualidade estética do edifício do que na sua capacidade de expressar uma vocação da cidade: a mistura de um vigoroso ímpeto construtor e de um indisfarçável mau gosto.
Sob esse prisma, é possível entendê-la como expressão legítima de um certo orgulho paulistano: tanto por hospedar significativos restos mortais (como do regente Feijó e do cacique Tibiriçá, importante líder indígena convertido) quanto por ser a referência brasileira, dada a extensão de sua nave, no ranking de igrejas da Basílica de São Pedro, no Vaticano.
A construção de uma catedral em estilo neogótico com uma cúpula renascentista, já em pleno século 20, parece a princípio uma aberração. Mas é coerente tanto com a voga estilística do início do século, o ecletismo, quanto com a vontade de expressão da burguesia de uma cidade feita de imigrantes, e que começava a crescer muito rapidamente.
A cidade dos "heróis" bandeirantes tinha sido muito pouco beneficiada com a riqueza do ouro, e a severidade da antiga Igreja Matriz, pobre em ornamentação, não fazia jus à pujança da cidade que surgia. A construção da nova catedral foi parte de um projeto de reurbanização do centro, em que o antigo largo da Sé, de feição colonial, viu-se transformado em uma praça quase cinco vezes maior que sua área original.
O estilo gótico, considerado grandioso por sua ascencionalidade, foi transplantado para o local onde antes dominava o despojamento jesuíta, fixando-se como um símbolo deslocado, mas legítimo, de uma cidade que elegeria para si outros "neos", como o barroco extemporâneo da Igreja Nossa Senhora do Brasil.
É muito significativo, no caso, que a majestade do empreendimento tenha se desdobrado em outras semelhanças, que não só estilísticas, com as igrejas medievais: sua obra arrastou-se por quase meio século (de 1913 a 1954). Passados tantos anos, a catedral abriu as portas durante as comemorações do IV Centenário da cidade, simultaneamente à inauguração dos edifícios modernos do parque Ibirapuera. Contraste típico de uma cidade de feições sobrepostas, que cresceu num ritmo acelerado.
Por isso, acho que a discussão sobre sua atual recuperação se vincula, antes de tudo, a uma leitura histórica que permita compreender alguns de seus aparentes disparates.
O restauro da catedral ainda é parcial. Conduzido pelo arquiteto Paulo Bastos, consiste basicamente na recuperação (tanto estrutural quanto ornamental) do edifício, e na construção de 14 novos torreões que estavam previstos no projeto original, do arquiteto Max Hehl. Interditado pelo Contru (Depto. de Controle de Uso de Imóveis) devido ao estado precário de suas instalações, o santuário reabre hoje suas portas após dois anos e meio de obras.
A construção dos novos torreões não se inscreve, evidentemente, no campo do necessário, mas no da composição estética. Nesse sentido o conjunto ganhará em harmonia, pois as torres mais baixas ajudam a elevar o corpo inteiro da igreja e a dissolver um pouco o contraste de estilos que era muito marcado, entre a cúpula e as torres principais.
Por fim, o "falseamento" de envelhecer o cobre da cobertura das novas torres é coerente com a arquitetura da catedral: uma mistura artificiosa de estilos, fantasia pura.

CATEDRAL DA SÉ - reabertura da igreja restaurada, com missa celebrada pelo arcebispo de São Paulo, o cardeal Dom Cláudio Hummes. Quando: hoje, às 10h. Onde: pça. da Sé, s/nš. Quanto: entrada franca.



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