São Paulo, sábado, 29 de outubro de 2005

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EXPOSIÇÃO

CCBB abre hoje em São Paulo mostra com mais de 400 peças do cartunista; catálogo reproduz parte dos originais

"Henfil do Brasil" (ainda) toca mazelas do país

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Não era preciso mais do que uma dúzia de letras, um sinal de pontuação e um desenho de traço rápido para Henfil colocar o dedo na ferida. Na desesperançada indagação da Graúna, retratada na foto que ilustra esta página, não importa se quase 30 anos se passaram: o ferimento continua aberto, o cutucão ainda dói...
Constatar quão atuais são as críticas do cartunista é um exercício repetido a cada passo da exposição "Henfil do Brasil", inaugurada hoje no Centro Cultural Banco do Brasil, em São Paulo, e a cada virada de página do catálogo (R$ 45; 103 págs.) no qual parte de seus originais são reproduzidos.
"A gente esperava que [o trabalho dele] não fosse tão atual, mas chega a ser impressionante", diz Júlia Peregrino, 52, que divide a curadoria com o crítico de arte Paulo Sérgio Duarte. "Não perdemos totalmente o Henfil justamente por essa atualidade que lamentamos. Mas, em matéria de artista, está para nascer outro igual, com essa capacidade que ele tinha de sintetizar num traço coisas tão simples do dia-a-dia."
A atualidade da "piada" foi, aliás, um dos critérios que guiou os curadores na seleção dos mais de 400 desenhos, livros, revistas e impressos expostos nos seis blocos. Foram pinçados de cerca de 15 mil originais herdados por Ivan Cosenza de Souza, 35, filho de Henfil.
"Essa exposição estou batalhando há muitos anos. Com um acervo que tem 15 mil originais -e isso não é tudo, porque a produção dele passa de 20 mil trabalhos-, fazer uma mostra só de cartum, por exemplo, seria pouco. Não só pela quantidade mas pela variedade. Ele fazia tirinha, charges políticas, caricaturas, histórias em quadrinhos", explica o filho.
No Rio, primeira cidade por onde passou, "Henfil do Brasil" recebeu 76 mil visitantes. Em Brasília, foi vista por 30 mil. "Foi uma surpresa para o próprio CCBB, que não esperava um fluxo tão grande. Tem toda uma geração Henfil, mas o que nos surpreendeu foi a presença maciça dos jovens", diz Peregrino.

Os originais
A grande quantidade de trabalhos arquivados por Henfil ao longo de seus 43 anos -hemofílico, contraiu HIV em uma transfusão e morreu em 1988- deve-se muito ao valor que ele atribuía aos originais. "Ele não dava para o jornal. Ele guardava e, às vezes, dava para algum amigo. O Laerte mesmo diz que ele fez com que os cartunistas passassem a dar valor ao original", conta Souza.
"O Henfil tinha esse negócio. A idéia de original dele era mais moderna. Usava xerox como a gente usa o scanner e só mandava as cópias", endossa Laerte. "Era meio maníaco, guardava as coisas dele muito bem guardadas. Eu não faço isso, sou descuidado, perdi muitos trabalhos. O Henfil jamais teria esse tipo de desatenção."
Do pai da Graúna, dos Fradinhos, de Ubaldo, o Paranóico, e de tantos outros adoráveis contestadores (ou contestáveis) personagens, Laerte traz memórias da época em que trabalharam na Oboré, uma agência na qual faziam jornais para sindicatos.
"Tínhamos acesso à intimidade profissional do Henfil. A gente via como ele fazia tudo -e ele era exibidinho, gostava de mostrar de onde vinham as idéias. Era imbatível. A gente praticamente via o cérebro dele funcionando. Dava vontade de pôr uma cúpula de vidro na cabeça dele e ficar olhando. Tinha um pensamento rápido", conta Laerte. "Se dá para sintetizar, ele era um cara bastante facetado. Não era uma criatura simples. A idéia era tão preponderante sobre tudo, que o traço tinha que ser rápido, caligráfico."


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