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EXPOSIÇÃO
CCBB abre hoje em São Paulo mostra com mais de 400 peças do cartunista; catálogo reproduz parte dos originais
"Henfil do Brasil" (ainda) toca mazelas do país
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
Não era preciso mais do que
uma dúzia de letras, um sinal de
pontuação e um desenho de traço
rápido para Henfil colocar o dedo
na ferida. Na desesperançada indagação da Graúna, retratada na
foto que ilustra esta página, não
importa se quase 30 anos se passaram: o ferimento continua
aberto, o cutucão ainda dói...
Constatar quão atuais são as críticas do cartunista é um exercício
repetido a cada passo da exposição "Henfil do Brasil", inaugurada hoje no Centro Cultural Banco
do Brasil, em São Paulo, e a cada
virada de página do catálogo (R$
45; 103 págs.) no qual parte de
seus originais são reproduzidos.
"A gente esperava que [o trabalho dele] não fosse tão atual, mas
chega a ser impressionante", diz
Júlia Peregrino, 52, que divide a
curadoria com o crítico de arte
Paulo Sérgio Duarte. "Não perdemos totalmente o Henfil justamente por essa atualidade que lamentamos. Mas, em matéria de
artista, está para nascer outro
igual, com essa capacidade que ele
tinha de sintetizar num traço coisas tão simples do dia-a-dia."
A atualidade da "piada" foi,
aliás, um dos critérios que guiou
os curadores na seleção dos mais
de 400 desenhos, livros, revistas e
impressos expostos nos seis blocos. Foram
pinçados de cerca de 15 mil originais herdados por Ivan Cosenza
de Souza, 35, filho de Henfil.
"Essa exposição estou batalhando há muitos anos. Com um acervo que tem 15 mil originais -e isso não é tudo, porque a produção
dele passa de 20 mil trabalhos-,
fazer uma mostra só de cartum,
por exemplo, seria pouco. Não só
pela quantidade mas pela variedade. Ele fazia tirinha, charges políticas, caricaturas, histórias em
quadrinhos", explica o filho.
No Rio, primeira cidade por onde passou, "Henfil do Brasil" recebeu 76 mil visitantes. Em Brasília, foi vista por 30 mil. "Foi uma
surpresa para o próprio CCBB,
que não esperava um fluxo tão
grande. Tem toda uma geração
Henfil, mas o que nos surpreendeu foi a presença maciça dos jovens", diz Peregrino.
Os originais
A grande quantidade de trabalhos arquivados por Henfil ao
longo de seus 43 anos -hemofílico, contraiu HIV em uma transfusão e morreu em 1988- deve-se
muito ao valor que ele atribuía aos
originais. "Ele não dava para o
jornal. Ele guardava e, às vezes,
dava para algum amigo. O Laerte
mesmo diz que ele fez com que os
cartunistas passassem a dar valor
ao original", conta Souza.
"O Henfil tinha esse negócio. A
idéia de original dele era mais moderna. Usava xerox como a gente
usa o scanner e só mandava as cópias", endossa Laerte. "Era meio
maníaco, guardava as coisas dele
muito bem guardadas. Eu não faço isso, sou descuidado, perdi
muitos trabalhos. O Henfil jamais
teria esse tipo de desatenção."
Do pai da Graúna, dos Fradinhos, de Ubaldo, o Paranóico, e
de tantos outros adoráveis contestadores (ou contestáveis) personagens, Laerte traz memórias
da época em que trabalharam na
Oboré, uma agência na qual faziam jornais para sindicatos.
"Tínhamos acesso à intimidade
profissional do Henfil. A gente via
como ele fazia tudo -e ele era
exibidinho, gostava de mostrar de
onde vinham as idéias. Era imbatível. A gente praticamente via o
cérebro dele funcionando. Dava
vontade de pôr uma cúpula de vidro na cabeça dele e ficar olhando. Tinha um pensamento rápido", conta Laerte. "Se dá para sintetizar, ele era um cara bastante
facetado. Não era uma criatura
simples. A idéia era tão preponderante sobre tudo, que o traço tinha que ser rápido, caligráfico."
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